[Orig. 31.Dez.2008]Com
Lucas somos convidados a entrar na sinagoga de Nazaré onde um homem de
nome Jesus, de Nazaré, se levanta. Vai ler uma passagem do profeta
Isaias (Is 61,1-2), na qual se apresenta a sua vocação (Lc 4,16-21).
Neste texto encontramos uma frase significativa: o profeta é chamado «a
proclamar um Ano de Graça da parte do Senhor» (Lc 4, 19).
Este «ano de Graça» ou «ano favorável» corresponde a uma tradição muito presente no povo bíblico e no Antigo Testamento: seria um ano jubilar, de sete em sete anos e, mais tarde, de 50 em 50 anos (7x7=49), no qual se procuraria viver o mais possível essa Terra Prometida como Dom de Deus; os escravos seriam libertos, as dividas perdoadas, as terras redistribuídas… (Lv 25,8). Como foi um sonho nunca plenamente realizado, os profetas atiram-no para a chegada do Messias que instauraria a Paz, o Shalom de justiça e prosperidade…
Mas o que é significativo no texto de Lucas é que encontramos Jesus a dizer, e Lucas e nós com ele, numa frase inédita: «Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir.» Hoje… Cumpriu-se Hoje… Este Ano prometido, esperado, ansiado… Jesus tem a ousadia de o proclamar como inaugurado. É significativo que este episódio marque o começo, no Evangelho de Lucas, da actuação de Jesus: com a sua vida, a sua missão que vai agora começar, está a inaugurar-se este Ano de Graça e Plenitude…
Por isso a vida de Jesus é marcada pelo carácter de Boa-Noticia: terminaram os tempos da espera e da dúvida, chegou a Salvação prometida por Deus. Deus está do nosso lado, Deus está a nosso favor, Deus faz-se presente e próximo. De novo encontramos em Isaias uma bela passagem sobre o Evangelizador, o que narra e proclama uma Boa-Noticia: «Que formosos são sobre os montes os pés do mensageiro que anuncia a paz, que apregoa a boa-nova, e que proclama a salvação! Que diz a Sião: «O teu Deus é Rei!» (Is 52,7). E encontramos na primeira frase que sai da boca de Jesus no Evangelho de Marcos: «Cumpriu-se o Tempo e o Reino de Deus está próximo: arrependei-vos e acreditai no Evangelho.» (Mc 1,15)
Parece que temos uma Boa-Noticia em mãos, de um Hoje da Salvação, de um Ano de Graça que parece que já está inaugurado. Aos coríntios, Paulo lança este apelo à Reconciliação com uma frase também inédita: «Como seus colaboradores, exortamo-vos a não receber em vão a graça de Deus. Pois Ele diz: No tempo favorável, ouvi-te e, no dia da salvação, vim em teu auxílio. É este o Tempo favorável, é este o dia da Salvação.» (2Cor 6,1). É este o Tempo Favorável…
Paulo tem no olhar, no horizonte, esse Acontecimento que é a Ressurreição de Jesus, Jesus, o Filho, a Graça do Pai. Por isso proclamará com extrema densidade um texto marcante: «Mas, quando chegou a Plenitude do Tempo, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob o domínio da Lei, para resgatar os que se encontravam sob o domínio da Lei, a fim de recebermos a adopção de filhos. E, porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: "Abbá! - Pai!" Deste modo, já não és escravo, mas filho; e, se és filho, és também herdeiro, por graça de Deus» (Gal 4,4-6). Então, a Salvação que nos é preparada, inaugurada em Jesus e pelo Dom do seu Espírito é esta Filiação que nos torna Herdeiros: «Ora, se somos filhos de Deus, somos também herdeiros: herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo» (Rom 8,17). Herdeiros do que Deus tem para nos dar: a sua Vida, o seu Amor, a sua Salvação que se torna Ressurreição.
É aqui que prossegue o sonho de Isaías: com a chegada do Eleito, do Emanuel, «Connosco Deus», seria a Paz Universal, Paz que é sempre sinónimo de felicidade, justiça, prosperidade, libertação, cura… O seu Sonho é já um Dom de Deus: «Porque a bota que pisa o solo com arrogância e a capa empapada em sangue serão queimadas e serão pasto das chamas. Porquanto um Menino nasceu para nós, um Filho nos foi dado; tem a soberania sobre os seus ombros, e o seu nome é: Conselheiro-Admirável, Deus herói, Pai-Eterno, Príncipe da paz. Dilatará o seu domínio com uma paz sem limites, sobre o trono de David e sobre o seu reino. Ele o estabelecerá e o consolidará com o direito e com a justiça, desde agora e para sempre. Assim fará o amor ardente do Senhor do universo» (Is 9,4-6).
Esta Paz, sonhada por Isaias, é já um dom celebrado e proclamado por Paulo, um Dom que toca acolher e construir; é uma Nova Humanidade, um Homem Novo: «Ele é a nossa Paz, Ele que, dos dois povos, fez um só e destruiu o muro de separação, a inimizade: na sua carne, anulou a lei, que contém os mandamentos em forma de prescrições, para, a partir do judeu e do pagão, criar em si próprio um só Homem Novo, fazendo a paz, e para os reconciliar com Deus, num só Corpo, por meio da cruz, matando assim a inimizade. E, na sua vinda, anunciou a paz a vós que estáveis longe e paz àqueles que estavam perto. Porque, é por Ele que uns e outros, num só Espírito, temos acesso ao Pai» (Ef 2,14-18).
Porque
é no mesmo Espírito do Ressuscitado que somos abraçado pelo Amor do
Pai, tornando-nos a todos filhos. E Filhos apesar de todas as diferenças
e separações; porquê? Porque «não há judeu nem grego; não há escravo
nem livre; não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo
Jesus» (Gal 3,28). Assim é possível a Paz…
E para Paulo, a marca que distingue os discípulos, o grande Dom que o Espírito faz acontecer no crente, é a Liberdade: «Irmãos, de facto, foi para a liberdade que vós fostes chamados» (Gal 5,13). Liberdade de tudo o que conseguimos inventar para nos separar e bloquear no Amor. É essa Liberdade que toda a Criação é chamada, a Liberdade de Filhos: «Toda a Criação anseia alcançar a gloriosa liberdade dos Filhos de Deus» (Rom 8,21). É essa Liberdade que é Dom do Ressuscitado, Dom do Filho no qual somos filhos, Ele que é a nossa Páscoa (1Cor 5,7): «Se o Filho vos libertar, sereis verdadeiramente livres» (Jo 8,36). Por isso, como discípulos guiados pelo Espírito da Liberdade, tornamo-nos mediação de libertação nos sinais da presença e da dinâmica do Reino: «a libertar os oprimidos» (Lc 4,18).
Desejo-te um bom ano, amigo! Que ele seja, na tua vida e neste mundo ainda a viver as «dores de parto» de um Homem Novo a nascer no meio de rupturas, egoísmos e morte, um ano de Graça, de Esperança e de Consolação. Da Liberdade e da Paz dos Filhos que o Pai, desde o Ressuscitado e o seu Espírito, não deixa de nos fazer nascer.