segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

dar e dar-se...

Partilho convosco uma reflexão sobre o Natal e o tipo de serviço ou "caridade" que costumamos encontrar por aí.
E, já agora, pela primeira vez a música que coloquei aqui ao lado, coloquei-a pelo conteúdo e não pela "batida", hihihi.
“Tende entre vós os mesmos sentimentos, que estão em Cristo Jesus: Ele, que é de condição divina, não considerou como uma usurpação ser igual a Deus; no entanto, esvaziou-se a si mesmo, tomando a condição de servo” (Flp 2, 5-7).

Celebrar o Natal é celebrar o inicio da “Plenitude dos Tempos” (Gal 4, 4), do “cumpriu-se o Tempo” (Mc 1, 15) que Jesus anuncia e entrega a sua vida, o Tempo do Reino, o Reino de “justiça, paz e alegria no Espírito Santo” (Rom 14, 17), Reino que está próximo, que se faz próximo, “entre nós” (Lc 17, 21). Celebrar o Natal é celebrar o início desta plenitude de Vida e Graça que entra na história humana, por um Homem, plenitude preparada e semeada na história da Israel e tornada universal pela Páscoa. Celebrar o Natal é, para mim pessoalmente, celebrar o início da Páscoa.

A Encarnação do Filho, “o Filho amado, em quem o Pai tem todo o seu agrado” (Mt 3, 17), é o modelo de todo o serviço. O Serviço, a doação, dinâmicas essenciais do Amor, do Amor perfeitamente humano que, como cristãos, à luz da Palavra, torna-se Amor Teologal que vem de Deus e para Deus conduz. Como podemos não experimentar a urgência da entrega e dedicação aos outros, na simplicidade e generosidade de uma criança, as “herdeiras do Reino” (Mt 18, 3), quando descobrimos a maior prova de Amor e Entrega: “E o amor de Deus manifestou-se desta forma no meio de nós: Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigénito, para que, por Ele, tenhamos a Vida” (1Jo 4, 10).

Não precisamos, como discípulos de Jesus, de ensinar os nossos irmãos a arte do serviço e da entrega; eles se calhar, conhecem-na e praticam-na mais facilmente que nós, e estão no seu direito – é uma questão puramente humana, da arte de amar. Talvez a nossa missão seja a de partilhar os horizontes deste Serviço, revelar a beleza da Graça de Deus, Graça tão presente na Bíblia, Graça de um Deus que, afinal, ao contrário dos nossos tantos ídolos, não está à espera dos nossos méritos, louvores e obras. Graça de um Deus que, afinal é o primeiro a entregar-se pelo Homem, menina dos seus olhos, o Deus que, afinal, desde toda a eternidade é, em si, emergência de doação e entrega no Espírito. “Quando Israel era ainda menino, Eu amei-o, e chamei do Egipto o meu filho. Eu ensinava Efraim a andar, trazia-o nos meus braços, mas não reconheceram que era Eu quem cuidava deles” (Os 11, 1). E então, descobrimos que a nossa entrega é afinal o modo de aprendermos a linguagem que falaremos eternamente, “que conheceremos como somos conhecidos” (1Cor 13, 12).

Descendo agora “à prática”, talvez seja bom examinarmos a “caridade” da nossa Igreja, tão católica mas se calhar tão pouco cristã, tão pouco imagem e semelhança daquela noite em que o Mestre “levanta-se da mesa, tira o manto e, tomando uma toalha, cinge-a, põe água numa bacia e começa a lavar os pés aos discípulos” (Jo 13, 4). Se calhar, continuamos a por à prova o Mestre com perguntas “o que devo fazer para herdar a Vida Eterna” e recebemos como resposta a incómoda parábola do Samaritano (Lc 10, 25, 37), aquele de quem Jesus diz “vai e faz o mesmo”. O Samaritano vê o “homem semi-morto”, tal como o sacerdote e o levita, vindos da religiosa Jerusalém. O Samaritano não desce da sua cavalgadura para dar uma esmola ou alguma palavra de consolo – o “homem semimorto” não precisa disso, o “homem semimorto” precisa de ser curado. O Samaritano cede a sua cavalgadura a esse “homem semimorto”, passa ele a caminhar a pé. O Samaritano, que “ia de viagem”, teve de alterar os seus planos de viagem. E depois promete uma “recompensa” ao estalajadeiro no seu “regresso”, para que “cuide dele” – não nos faz lembrar o Advento, e o apelo de Cristo aos seus discípulos?

Parece-me que há duas tentações que corremos o risco sempre de cair, no que toca a estes assuntos: a da “espiritualização”, de reduzirmos tudo a um discurso interior, teórico, de boas palavras que o Amor não conhece; e a tentação da “casuística”, de tudo reduzirmos a práticas bonitas nestas alturas do ano. Devemos estar atentos e alertar os nossos irmãos em sociedade para este risco, nestas alturas de tantas barreiras e bloqueios ao serviço e entrega, até à comunicação e partilha – cada um tem é de safar-se, correr na auto-estrada da vida ultrapassando tudo e todos e deixando para trás os “avariados”. E também entre nós, temos de continuar a aprender que falar de “serviço” é falar de “fazer-se próximo”, “dar-se” é “compadecer-se”, “entregar-se” é “incarnar” e ser fiel “até à morte, e morte de Cruz” (Flp 2, 8). Ou não fossemos nós cristãos, discípulos daquele Cristo Jesus e servos do Reino que ele serviu, o Reino do Pai.
um grande abraço

1 comentário:

Anónimo disse...

Obrigado!
O teu post interpelou-me a ser autêntico nas minhas atitudes. Sinto que dizes o fundamental para o tempo de Natal e para os outros tempo de que a nossa vida de pessoas e de cristãos se compõe.