terça-feira, 3 de junho de 2008

o sofrimento que Deus quer...

Partilho mais uma leitura que tenho feito, na continuação da Espiritualidade Cristã e uma nova linguagem sobre o Seguimento e as consequencias de assumir o Evangelho e a causa do Reino. Um grande abraço e boa leitura!

«Diante da forma de apresentar a Deus que nos ofereceu a espiritualidade cristã tradicional ( e a teologia da salvação subjacente a tal espiritualidade), há-que dizer, com firmeza e sem meias medidas, que Deus, Pai de bondade e de misericórdia, não quer que os seus filhos sofram.
No mundo há sofrimento porque toda a forma de vida criada e, mais em concreto, toda a forma de vida terrena é limitada. E essa limitação leva consigo o adoecer, o envelhecer e o morrer. Além disso, temos o mistério insondável da liberdade humana, que com frequência se inclina para o mal, quer dizer, a provocar dano ao outro e aos demais em geral, com o qual o sofrimento no mundo alcança níveis inimagináveis.

O que quero deixar bem claro é que, desde a mensagem de Amor e de Misericórdia que apresenta o Evangelho, o único sofrimento que Deus quer é o que brota da luta contra o sofrimento!

Por isso sofreu Jesus. Porque se colocou absolutamente da parte de todas as vítimas do sofrimento humano, fosse qual fosse a razão desse sofrimento. Isto é o que explica porque Jesus enfrentou uma religião, uns sacerdotes, a uma instituição sagrada que, em vez de aliviar o sofrimento humano, o que faziam era provocá-lo e agravá-lo.
Neste sentido, resulta coerente pensar que Deus quis que Jesus bebesse o cálice da dor e a morte que teve de sofrer. Como quer igualmente que cada um de nós mortifiquemos e vençamos o que, nos nossos comportamentos e condutas, é causa de sofrimento para os demais. Esse é o sofrimento que Deus quer e a mortificação que lhe agrada. O sofrimento e a mortificação que nos tornam cada dia mais livres e mais disponíveis, em suma, mais humanos. Para assim tentarmos, na medida das nossas possibilidades (as de cada qual) diminuir e aliviar o sofrimento de tantas vitimas do egoísmo, da injustiça, da opressão, da falta de solidariedade e da desumanização, coisas que por toda a parte brotam neste mundo.

Se não me engano, a isto se “reduz”, em última instância, a mensagem de seguimento radical e de cruz que nos apresenta Jesus no Evangelho. Além disso, a experiencia ensina-nos que, na sociedade em que vivemos, aquele que se põe de facto a lutar contra as causas do sofrimento, inevitavelmente tem que afrontar incontáveis confrontos, incompreensões, conflitos e até é possível que chegue a encontrar-se em situações-limite, situações de vida ou de morte.
E penso que, ao dizer estas coisas, estamos a tocar em algo que é inteiramente central na espiritualidade cristã. Tal foi a espiritualidade de Maximiliano Kolbe, de monsenhor Romero, de Martin Luther King, de monsenhor Angelelli, para citar alguns nomes concretos que me vêm à cabeça. E a espiritualidade também de tantos sacerdotes, religiosos, religiosas, leigos comprometidos que, ao longo do século XX, pagaram com as suas vidas o atrevimento de ter tomado a sério a luta contra o sofrimento das vitimas deste mundo e contra a dor, a desgraça e a humilhação dos mais pobres da terra.

Por fim, ao falar desta forma qualquer um compreende que isto não é relaxar as exigências de abnegação e de cruz que comporta o Evangelho, senão que se trata de situar estas exigências onde têm que estar. Só assim, penso eu, poderemos evitar os perigos que, com frequência, acarreta um incorrecta compreensão da espiritualidade cristã

José Maria Castillo (Espiritualidad para Insatisfechos, Madrid 2007), ex-jesuita, nasceu em Granada (Espanha) em 1929. Professor de teologia em Espanha, fundou e acompanhou comunidades cristãs de base, no contexto no qual publicou diversos livros de teologia e espiritualidade. Actualmente é professor em São Salvador, América Central.

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