quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Somos desejáveis...

«Será que acreditamos verdadeiramente nessa proposta divina sobre nós? Acreditamos verdadeiramente nesse homem que somos? Ou seja: como um ser não só inteligente, belo, hábil, empreendedor, amoroso… que sei eu; senão também como aquele cuja alma (é necessário que aprendamos de novo a pronunciar essa palavra), coração, inteligência, beleza, bondade, amor – incluindo as nossas traições – são o templo de Deus (cf. 1Cor 3,16; 6,13-20; 2Cor 6,16). Conhecemos essas palavras, mas, acreditamos de veras na sua inverosímilidade? Porque a inverosímilidade da razão é às vezes a prova da Fé.

A questão de fundo é esta: acreditamos o suficiente em nós mesmos para acreditar em nós como Deus acredita? Para crer que nos quer por ele mesmo? «Terias nostalgia da obra das tuas mãos» (Job 14, 15). Para crer que, ao fazer-nos a sua proposta, Deus faz a si próprio um favor, se proporciona a si mesmo a felicidade, de ser amado com um amor que lhe falta? São Bernardo foi atrevido, com essa audácia da fé e do amor, que são uma mesma coisa. Comentado a frase «O meu Pai vos ama», escreve: « (O Pai) deseja-vos, não só por aquela caridade com que sempre vos amou… senão por si mesmo, como diz pelo profeta: ‘Por mim mesmo o farei, não por vós’».
Não se trata de um amor paternalista ou de condescendência por parte de Deus. «O Senhor elegeu-te como preferida» (Is 62,4), põe na boca de Deus o profeta. Como detestar-nos ainda? Pois, se sou amado, já não tenho o direito a não me amar e a não amar os demais, por duro e doloroso que seja… Mas essa «prova» (experiencia) dolorosa é justamente também uma «prova» (demonstração): «Nisto reconhecerão…» Deus («maior que o nosso coração» 1Jo 3,20), pelo só facto de existir, é a minha prova. Porque, diante de todo o homem, diante de todo o poder (incluído o do meu coração tirânico) que queira anular-me (como económica ou socialmente inútil, afectiva ou intelectualmente indesejável), diante de todas as ditaduras, posso recorrer a Deus como a um tribunal de apelação.
E Deus proclama que, seja eu quem for, ninguém (incluindo eu próprio) pode tocar-me, porque sou à sua imagem e semelhança, vá vestido com manto de reis ou com os farrapos do último dos miseráveis. Talvez seja este o único verdadeiro tabu da Escritura: «Dou-vos tudo isso… mas pedirei contas da vida do homem, seu irmão.» (Gen 9,3.5) Sobre cada uma dos nossos rostos brilha a marca da estrela. Sou indestrutível, nasci indestrutível, morrerei indestrutível. Deus criou-nos por um desejo de Amor e nada nem ninguém poderá arrancar-lhe essa criatura que o faz tremer de Amor.

Há que dize-lo claramente: é como se Deus nos suplicasse que o amássemos para o fazer «ek-sistir». Espera algo de nós: desejo de ser amado, porque – pouco importa se há em nós grandezas ou debilidades – somos desejáveis. Mas aqui estas palavras «excessivas» dão-nos medo. Porquê? Sem dúvida porque temos medo de Deus: «Os homens jamais admitem que Deus vive, se abre à vida e sorria. Só aceitam a sua crucifixão. E ainda pior: temos medo de nós mesmos, porque não nos amamos. Como vamos a crer que podemos ser amados?

Chamo ao Homem provado por Deus a esse homem de Destino (Sentido, não simplesmente moral) que se sente «a gosto» consigo mesmo e feliz porque se sabe infalivelmente amado por Deus. «Deus é Amor». O repetimos tantas vezes, sem entendê-lo! Mas tantas vezes o entendemos mal, como se Deus na sua infinita bondade condescende-se em amar-nos! Será que alguma vez ouvimos dois amantes exprimirem-se assim? «Deus ama-nos» significa «Deus ama-nos», como quando dizemos a uma pessoa «Amo-te». E ponto. É um Eu que fala antes de tudo e o que diz o diz sem nenhuma condição prévia: Eu Amo-te. Deus treme de Amor diante de nós como o jovem diante da jovem (menos ansiosa que ele). Digamo-lo como a esposa do Cântico dos Cânticos: «O teu nome é como perfume que se espalha. Por isso as jovens te amam» (Cant 1,3). »
Adolphe Gesché, El Hombre - Dios para Pensar II,
ed. Sigueme, Salamanca 2002, p.108
São descobertas que fazemos... Um grande abraço!

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