segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Abbá (I): O Amor Paternal de Deus no Antigo Testamento

Viva! Começa hoje uma série de textos sobre o tema da Paterniadde de Deus ao longo da Biblia. Partem do tema de um bom encontro que aconteceu no ultimo sábado, no grupo de catequistas do Centro S. Afonso, no Porto (ver blog). Aos catequistas, muito obrigado por esta caminhada que podemos partilhar juntos. E a todos, um grande abraço e boa semana!
No Antigo Testamento designar a Deus por Pai surge muito raramente, apenas por 15 vezes. Isto porque a Bíblia quer distinguir claramente a experiencia que faz da relação com Deus das concepções mitológicas que encontramos nos povos vizinhos, quer no Egipto, na Babilónia ou na Grécia. Nestas concepções vemos as divindades a procriarem, a gerarem famílias divinas à imagem das humanas e, quando um homem (como Hércules) é designado de filho de um deus, é porque possui poderes especiais semi-divinos. Por outro lado, a experiencia paternal está ligada à cultura familiar e tribal, onde os vinculos de sangue são a base da sociedade. Quando a Biblia usa de um modo tão contido a linguagem da paternidade em Deus está a acentuar o carácter de Graça e Liberdade em que acontece este Amor, que não surge justificado e limitado pelos vinculos de sangue ou de tribo.

Na Bíblia a experiencia fundamental que encontramos de Deus é o Deus da Aliança que, através de Moisés, elege o Povo para iniciar com ele um caminho de libertação do Egipto rumo à Terra Prometida. É nesta experiencia de Eleição e de Graça, de um Amor que escolhe, elege e liberta por pura gratuidade, que o Povo se reconhece como Eleito por Deus como um Filho. «E dirás ao faraó: ‘Assim fala o Senhor: O meu filho primogénito é Israel. Eu digo-te: Deixa partir o meu filho para que me sirva, e tu recusas deixá-lo partir!» (Ex 4,22-23). Daqui nasce uma experiencia única que Israel faz da proximidade de Deus: «Qual a grande nação cujos deuses lhe estejam tão próximos como Senhor o nosso Deus, todas as vezes que o invocamos?» (Dt 4,7)

A linguagem da Paternidade de Deus une-se e parte da experiencia da Aliança: um Deus que toma e elege um Povo como seu Parceiro, seu Interlocutor, comprometendo-se e caminhando com ele sem o substituir, interpelando-o e convidando-o a dar uma Resposta. Ao contrário das concepções pagãs, Deus não gera figuras semi-divinas (os reis ou heróis) nem cria os homens para serem seus escravos, mas precisamente reúne-os para fazer um caminho de libertação, respeitando absolutamente as diferenças e os espaços (daqui o absoluto respeito pela “diferença” de Deus que é Outro, soberano, para nos amar gratuitamente). É um Deus que não podemos controlar, como os ídolos, e por isso pode amar-nos por pura Graça e Dom.

A Bíblia recusa uma linguagem mitológica sobre Deus, mas não deixa de utilizar imagens de Amor Paternal e Maternal. O Deus bíblico é o Deus da Graça, da mãe que se aproxima para amar o seu filho com ternura, e o Deus da Compaixão ou Misericórdias (2Cor 1,3), do Amor Entranhado no ventre, no seio onde a mãe gera o seu filho. É o que encontramos neste belo texto do profeta Oseias:

«Quando Israel era ainda menino, Eu amei-o, e chamei do Egipto o meu filho. Mas, quanto mais os chamei, mais eles se afastaram. Entretanto, Eu ensinava Efraim a andar, trazia-o nos meus braços, mas não reconheceram que era Eu quem cuidava deles. Segurava-os com laços humanos, com laços de amor, fui para eles como os que levantam uma criancinha contra o seu rosto; inclinei-me para ele para lhe dar de comer. Como poderia abandonar-te, ó Efraim? Entregar-te, ó Israel? O meu coração dá voltas dentro de mim, comovem-se as minhas entranhas. Não desafogarei o furor da minha cólera, não voltarei a destruir Efraim; porque sou Deus e não um homem, sou o Santo no meio de ti, e não me deixo levar pela ira» (Os 11,1-9).

Do mesmo modo, encontramos esta linguagem da Graça no profeta Isaías: «Sião dizia: «O Senhor abandonou-me, o meu dono esqueceu-se de mim.» Acaso pode uma mulher esquecer-se do seu bebé, não ter carinho pelo fruto das suas entranhas? Ainda que ela se esquecesse dele, Eu nunca te esqueceria. Eis que Eu gravei a tua imagem na palma das minhas mãos» (Is 49, 14-16).

Por fim, há um filão que nos acompanha até ao Novo Testamento: a figura do Rei em Israel é vista em termos de filiação em relação a Deus, não por ser gerado ou possuir uma natureza e dignidade diferentes do resto do Povo, mas por ser eleito e protegido por Deus e representar todo o Povo. Assim encontramos na promessa que Deus faz a David de um descendente, pelo profeta Natã: «Eu serei para ele um pai e ele será para mim um filho» (2Sam 7,14). No dia da entronização do rei era lido o salmo 2: «Publicarei o decreto do Senhor; Ele me disse: Tu és meu filho, eu hoje te gerei» (Sal 2,7). E o salmo 89: «Ele me invocará: Tu és meu pai, meu Deus e meu rochedo salvador! Eu o tornarei meu Primogénito, o altíssimo sobre os reis da terra» (Sal 89,27). Referindo-se ao sucessor do rei Acaz, Ezequias, um menino que está a crescer, Isaías proclama-o como o Emanuel, «Connosco-Deus», um sinal de que Deus continua presente junto do seu povo na fidelidade à Aliança (Is 7,14). É a Esperança Messiânica.

3 comentários:

Anónimo disse...

Não me canso de agradecer o simples facto de poder chamar de Abbá a um Deus que nos ama incondicionalmente, sem pedir nada em troca e sem nos impor qualquer tipo de obrigação.

É bom demais saborear este Deus-Amor que nos faz cada vez mais feliz à medida que O descobrimos cada vez melhor.

Um Deus que se dá por completo... Há algo mais maravilhoso que isto?

Obrigada Rui pelas formações! Obrigada por também tu seres incansável e por nos ajudar a Caminhar no Amor!

Anónimo disse...

Mais uma vez muito obrigada! sinto-me a crescer e sei que muito é por causa do que nos trazes nas formações!

Anónimo disse...

Olá, Rui Pedro!
Um imenso obrigada, por nos teres ajudado a saborear tantas coisas bonitas. Sabes, um Deus que caminha connosco e se vai revelando progressivamente e que acabámos por descobrir como Abba encanta-me sempre.