quarta-feira, 13 de maio de 2009

Semelhança de Deus...

«Dominado pelos astros, senhor dos animais: a sabedoria bíblica põe o homem sob esta subtil linha mediana. A sabedoria moderna, ao invés, encontraria nisto pouca “glória e majestade”, não considerando esta posição como particularmente real. Todavia a Bíblia tem-no em conta. O primeiro capítulo do Génesis não renuncia: o homem, privado de poder sobre os astros, saberá conquistar a terra porque comandará aos animais herbívoros. Nada de mais vem sugerido, além deste império tido como bastante glorioso (o leitor pode verificar por si próprio o texto de Gen 1,28: o homem não pode multiplicar-se, encher a terra e dominá-la se não comandar os animais que, como ele, se multiplicam e enchem a terra. A segunda obra é condição da primeira). Para uma Humanidade que deu uns passos sobre a Lua, a mensagem é bem pouco sugestiva.

Mas pode-se caminhar sobre a Lua e não ter o ouvido suficientemente agudo para entender a mensagem de um antigo. Estes fazem-nos compreender, no Génesis, que o homem é feito à imagem de Deus e, no Salmo 8, que é quase um deus (v. 6). Os dois textos concordam no ensinar que a imagem divina é o constitui o núcleo da diferença entre o homem e o animal. Ainda uma vez, o pensamento da Criação não nos conduz somente ao homem, mas ao que, no homem, não é o aspecto mais visível.

Todavia, esta diferença e esta superioridade real do homem sobre o animal não são muito claras? O antigo reserva-nos uma resposta: «Os animais, responde o antigo, devoram-se entre eles e assim também os homens»: a diferença não é, por isso, evidente. Os animais não são herbívoros, segundo o relato da Criação (Gen 1,30), que por ordem de Deus esta restrição não pertence à sua natureza. Para dominar tal natureza, o homem sucede a Deus no posto de comando: através da sua palavra delegada (é verdade que é bastante estranho que se fale aos animais), os animais abstêm-se de devorar-se entre eles. Mas apenas Caim assassina Abel e os homens começam a partir daí a devorar-se, como o fazem de Caim até ao Dilúvio, a sua palavra perde todo o poder de impor a doçura aos animais.

O facto que hoje os homens imitem os animais que por natureza se devoram, é o sinal que não os comandam mais. Dado que os imitam, assemelham-se a eles. E se se assemelham aos animais, é sinal evidente que perderam a semelhança divina, sobre a qual se fundava o seu poder. Quererão agora sem mais comandar àqueles, mas o farão com a força e o terror: o homem comanda ao leão com o mesmo método com o qual o leão comanda o cordeiro. Não já com a palavra. Depois que o homem se enterrou na violência, Deus adaptou-lhe a sua lei: «incuti o medo e o terror a todos os animais da terra» (Gen 9,2). Por isso, daquele momento reina o estado de guerra entre os animais, entre os homens e os animais, entre o homem e o homem. Será somente no dia em que Deus terá curado o homem que «o leão comerá da palha com o boi» porque se terão reconciliado, e isto porque «um menino os conduz» (Is 11,1-9; cf. 2,4).

Assim, conclui o antigo, o poder sobre os animais que te parecia pouca coisa, é aquilo que te falta, ainda que caminhes na Lua. Talvez nunca como agora te terá faltado»



Paul Beauchamp (Salmi Notte e Giorno, "Salmos Dia e Noite", Assis 2004 p. 172), jesuita francês (1924-2001), foi professor de Bíblia em Paris, destacando-se na espiritualidade do Antigo Testamento

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