quinta-feira, 7 de maio de 2009

Um Testemunho recebido...

No início da primeira carta de João encontramos a seguinte introdução, como que o programa do que se segue:
«O que existia desde o princípio,o que ouvimos,
o que vimos com os nossos olhos,
o que contemplámos e as nossas mãos tocaram
relativamente ao Verbo da Vida;
de facto, a Vida manifestou-se;
nós vimo-la,dela damos testemunho
e anunciamo-vos a Vida eternaque estava junto do Pai
e que se manifestou a nós;
o que nós vimos e ouvimos,isso vos anunciamos,
para que também vós estejais em comunhão connosco.» (1Jo 1,1-3)

Estas palavras fazem lembrar outras, do Salmo 78:
«O que ouvimos e aprendemos
e os nossos antepassados nos transmitiram,
não o ocultaremos aos seus descendentes;
tudo contaremos às gerações vindouras:
as glórias do Senhor e o seu poder,
e as maravilhas que Ele fez.» (Sal 78, 3-4).

O salmista vai proclamar ou cantar a história de Israel lendo-a, na melhor tradição de fé do seu povo, como a Acção de Deus que Elege, Salva e conduz o seu Povo em Aliança. Do mesmo modo, o autor da Primeira Carta de João, escrita já no final do I século, vai proclamar o grande Acontecimento de Cristo e o que nele advém para a Humanidade, advento que os crentes podem celebrar e proclamar: «E o Amor de Deus manifestou-se desta forma no meio de nós: Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigénito, para que, por Ele, tenhamos a vida» (1Jo 4,9).

Muitas vezes olhamos para a Biblia como um conjunto de relatos de fenómenos extraordinários e grandes acções que Deus desenvolve na história dos homens, desde o Êxodo de Israel até a Jesus de Nazaré. A Bíblia era o tempo no qual Deus intervinha directamente, majestosamente, triunfalmente na história. E nós, hoje, já não temos o direito a viver essas intervenções: hoje apenas recordamos aqueles factos, tentando acreditar que, um dia, Deus actuou assim...

No entanto, entrando mais a fundo no estudo dos textos bíblicos, descobrimos que não é assim: os autores dos textos encontram-se na mesma situação que nós: a fazer memória, a recordar os grandes acontecimentos de Salvação que receberam por transmissão - tradição dos antepassados, seja familiares em Israel, seja na Fé na Igreja, e a renovar a certeza de que esses acontecimentos têm a ver connosco, hoje.

Deste modo, os textos bíblicos que relatam o Êxodo foram sendo elaborados séculos depois, entre o séc. X e o séc. VI a. C., quando o Êxodo terá tido lugar no séc. XIII a. C.. Os Salmos e os Profetas lêem esses acontecimentos da História e procuram o seu significado para o contexto no qual viveram. Os Evangelhos surgiram 30, 40, 60 anos depois da vida, do acontecimento de Jesus...

Deus actuou, um dia, na história, de um modo decisivo, no Êxodo, em Jesus, nos Apóstolos... E o Povo do Antigo Testamento, e os Discípulos do Novo Testamento vivem desses Acontecimentos, cujo testemunho recebem dos pais e à luz dos quais alimentam a sua Fé. E procuram o significado, para eles, dessa Salvação que se inaugurou, e procuram reconhecer essa Salvação a acontecer, o Deus do Êxodo a actuar na história de Israel, o Ressuscitado a actuar na Comunidade. É este o discurso que encontramos na Bíblia. Um discurso que pode fazer sentido para nós, os discipulos de hoje...

Um grande abraço!

2 comentários:

calmeiro matias disse...

Obrigado, Rui Pedro, por este jeito de contar a epopeia de um amor infinito e incondicional!
Um abraço
Calmeiro Matias

figlo disse...

Deus a actuar num Povo que fez seu , com ele fazendo uma aliança inquebrável (pelo lado do Senhor)...
O Resuscitado actuar, a aparecer, a tornar-se reconhecido e reconhecível em comunidade...Julgo que todo este discurso só pode querer dizer uma coisa: crer em Jesus não pode ser um crer individual, uma espiritualidade privada na procura de uma salvação muito pessosl.Crer em Jesus é querer pertencer a uma comunidade de crentes e caminhar junto com todos esses, em fraternidade...Os chamados a segui-lo caminham juntos..."um cristão isolado não é um cristão".Abraços.