segunda-feira, 7 de março de 2011

Uma leitura pessoal da crise (I)



Em 1987 era publicada no ocidente a 1ª edição do livro de M. Gorbatchov, Perestroika, um termo russo que significa Restruturação. Gorbatchov seria então o mais importante lider e crente do chamado sistema socialista. O contexto em que escreveu este livro é assim descrito pelo autor:

«A certa altura - isto tornou-se particularmente claro na segunda metade dos anos 70 - aconteceu qualquer coisa à primeira vista inexplicável. O país começou a perder impulso. Os falhanços económicos tornaram-se mais frequentes. As dificuldades começaram a acumular-se e a deteriorar-se, enquanto se multiplicaram os problemas não solucionados. Factores do que denominamos por estagnação e outros fenómenos estranhos ao socialismo começaram a surgir na vida da sociedade. Formou-se uma espécie de mecanismo de travagem, afectando o desenvolvimento social e económico. E tudo isto aconteceu numa época em que a revolução científica e tecnológica abria novas perspectivas para o progresso social e económico.»

Gorbatchov reconhece uma situação de Crise prolongada e estrutural na sociedade da então URSS, e acrescenta que esta situação é também incompreensível dadas as possibilidades oferecidas pelos avanços científicos. Alguma coisa de errado se estava a passar.

O que me chama a atenção é a proposta que Gorbatchov propõe para a saída desta situação: recusa-se a reconhecer que as raizes do problema se encontravam no próprio socialismo - «fenómenos estranhos ao socialismo» - e afirmará, em seguida, que as soluções passam por um avanço para a frente no próprio socialismo - ultrapassa-se a crise se atingirmos a sociedade socialista.

Gorbatchov não percebeu o que mais tarde seria provado de forma dramática: era no próprio sistema socialista, com os seus vícios - ausências de liberdades pessoais e comunitárias, bloqueios na iniciativa pessoal, excessiva corrupção nas estruturas do Estado - que se encontravam as origens da crise.

Nesta situação, a solução teria de passar por uma mudança de sistema, não por um avanço no sistema.

Lembro-me sempre desta lição da história quando leio esta situação de Crise que vivem actualmente as sociedades ditas ocidentais, democráticas e capitalistas. É reconhecido que vivemos também uma situação de Crise prolongada, estrutural e de certo modo incompreensível dados os avanços que continuamos a ver em termos cientificos. Desde o 11 de Setembro de 2001 que ouço falar de crise, aumento dos preços dos combustíveis, necessidades de cortes, etc.

Mas as respostas que tenho ouvido são respostas oferecidas pelo próprio sistema que gerou a crise: o sistema económico capitalista. Fala-se da necessidade de maior produção e crescimento, mais eficiencia e produtividade, mais competitividade, menor influencia e menores despesas por parte do Estado, mais flexibilidade no trabalho... As pessoas mais escutadas para solucionar a crise são os principais agentes do sistema capitalista: instituições financeiras, corretores e bolsas, agencias de empréstimos e cotações, técnicos financeiros e, claro, os líderes de grandes empresas.

Não estaremos a cair no erro de Gorbatchov, acreditar que a saída da Crise passa por um avanço para a frente no próprio sistema que gerou a Crise, o sistema capitalista? Não estaremos a acreditar que os motivos da crise são «estranhos» ao capitalismo? Não estaremos dispostos a prescindir de tudo, menos de tudo o que o sistema capitalista nos oferece em termos de consumo, bem-estar material e conforto, mesmo que isso esteja acima das nossas possibilidades e das possibilidades do planeta?

Crise, no seu original grego de Krysis, tem a ver com ruptura, mudança, juízo. Como refere o bispo de Poitiers em França, Albert Rouer, reduzimos a visão da sociedade ao económico e, dentro do económico, ao financeiro. Mas esta situação de Crise não será muito maior? E não implicará uma ruptura, mudança e juizo em relação ao sistema de vida económico e social que construímos? Não será necessário estarmos atentos aos muitos sinais de in-justiça, des-equilibrio e a-normalidade da vida que levamos?...


Continua... Um grande abraço!

2 comentários:

figlo disse...

Todos os totalitarismos, prepotências, usurpações de poder, ganância pessoal se reflectem descaradamente nas estruturas criadas para defender o poder,o domínio e o ter...Instalando-se uma des-humanização das relações dos cidadãos entre si, está criada uma situação de "salve-se quem puder" de desumanização cada vez mais crescente e mais incontrolável...e uma incapacidade notória de actividade criadora de novo e diferente. Não acredito nas GRANDES soluções que partam dos criadores e beneficiadores do SISTEMA...a Economia, a Produção, à custa do Homem e apesar do Homem são absolutamente degradantes ...MAS, "ISTO não é o FIM"! pois, não, Rui Pedro? Temos saudades tuas! bj Glória

Anónimo disse...

Olá amigo, muito bom o seu blog, e colocas umas questões bem interessantes. Eu iria tecer um comentário dando conta, ou tentando dar conta de refletir sobre o colapso da URSS, mas pensando bem, o homem é um ser que vive em eterna crise, desde que nasce, e os sistemas engedrados pelos homens no decorrer da história é uma contra as crises comuns a todas as existências humanas, e o formular sistemas econômicos foi o caminho evolutivo humano, que ainda continua, calcado no materialismo,seja como redenção individual, seja como uma procura de uma redenção coletiva, igualitária. É notório que qualquer sistema econômico que busca somente essa redenção como forma de solução - individual ou coletiva - está fadada ao fracasso, mas cedo ou mais tarde. Um abraço. Fco Mello