quinta-feira, 29 de novembro de 2007

onde abundou o pecado, sobreabundou a Graça!



Partilho aqui uma reflexão pessoal sobre um tema difícil que, espero, possa vir a ser útil. Tem a ver com a questão do sofrimento, do pecado e do mal na nossa experiência de vida.

Hoje as ciências relacionadas com a compreensão da Pessoa e do Ser Humano (Antropologia, filosofia, psicologia e também a teologia) apontam algumas circunstâncias históricas como origem desta experiência do mal. Na medida em que se desenvolvem estas ciências, muitas das respostas são encontradas no próprio mistério da pessoa humana, e não tanto fora dela, como veremos.

A nossa condição de seres em construção: na história o ser humano vive em construção, em aperfeiçoamento, a aprender todos os dias a viver e a amar. Como ser construção, cresce na medida em que toma opções, atitudes, adopta critérios, toma iniciativas e projectos. Ora, vivendo em construção, é natural que estas opções e critérios sejam tomadas na ignorância ou na limitação, com erros e falhanços que fazem mal a nós e aos irmãos. “Errar é humano”, dizemos e com razão, desde que aprendamos com os erros, assumamos as consequências negativas e procuremos na próxima ser diferentes.

A nossa história torna-nos quem somos: é uma lei fundamental do Amor – amamos na medida em que fomos amados, somos capazes de amar na medida em que foram inscritas na nossa história possibilidades de Amor. Ora todos temos na nossa história experiências negativas e traumatizantes que se tornam hoje, para nós, fonte de medos e bloqueios. Muitas vezes provocamos, inconscientemente, aos nossos irmãos as mesmas experiências negativas que nos forma provocadas em nós. Aqui, o Evangelho é claro em afirmar, pela parábola dos Talentos por exemplo (Mt 25, 14), que a nossa fidelidade mede-se não pelos talentos recebidos mas pelo modo como os pomos a render na nossa própria história e liberdade.

As nossas relações são marcadas, na história, pela não-evidencia: nos nossos contactos e relações, as intenções e possibilidades que o outro manifesta nas suas atitudes não me são evidentes. Por isso muitas vezes as nossas relações são marcadas pela incompreensão, desconfiança e ambiguidade – parece que esperamos sempre o pior do outro, e por isso não o acolhemos! Surge então a necessidade fundamental da Fé como confiança e abertura à relação com o outro, e à força do perdão que cura estas ambiguidades!

Finalmente, saindo já do âmbito pessoal, encontramos as regras, por vezes terríveis, da Natureza: esta Natureza que serve de útero à nossa caminhada histórica, é também uma Natureza em evolução e marcha, como próprio Universo. Daqui que venham as catástrofes naturais como fonte de sofrimento mas cuja responsabilidade não se pode atribuir a ninguém senão às próprias leis intrínsecas da Criação.

Vemos que, ainda que o mistério do pecado e do mal seja sempre mais “fundo” e “manhoso”, ele possui algo de parecido a explicações que podem iluminar os nossos receios e consciencializar-nos para as nossas próprias responsabilidades. Penso que hoje, para uma mentalidade do século XXI iluminada pela Fé, não faz sentido de viver com o “fardo” de outros “seres” que ainda tornam este mistério mais angustiante!

Quanto a isto, a Bíblia oferece-nos um conjunto de boas-notícias que nos ajudam a assumir aquilo a que na Fé chamamos o optimismo antropológico: o optimismo, a alegria e a esperança de ser e viver como Homens, como Pessoas amadas, sonhadas e queridas por Deus.

Na Bíblia temos sempre de distinguir entre os condicionamentos culturais da linguagem e as aquisições teológicas. A Revelação que Deus faz de si e do seu Projecto acontece sempre através da mediação da linguagem humana que é sempre contextualizada. Por isso, quando lemos a Bíblia, temos de distinguir entre o que é linguagem própria do seu tempo (e que hoje pode já não fazer sentido) e as intuições fundamentais da Revelação. Claramente surge que, no Novo Testamento, a linguagem dos demónios, dos espíritos impuros e do Diabo é a linguagem que os escritores da altura possuíam para tentar explicar este mistério que experimentavam no dia-a-dia, o mistério do mal. É uma linguagem para o traduzir, tal como eu apontei alguma atrás. Hoje devemos utilizar outra linguagem e procurar outras formas de compreender este Mistério.

Diante da experiência do pecado, do sofrimento e do mal, a Bíblia e sobretudo o Novo Testamento proclamam algumas certezas com sabor a Boa-Notícia libertador e fonte de Paz:

A Criação, o ser Humano tal como é – em construção, em aperfeiçoamento na história, autor de si próprio e capaz de optar e agir livremente – é querido e sonhado assim por Deus. Diz o Génesis que “Deus olhou e viu que tudo era bom” e repete-o constantemente. Chegando ao Homem, diz que era “demasiado bom” (Gen 1, 31). Deus não quer o Homem perfeito e acabado, quer que seja autor de si próprio! Só assim se pode chamar “Pessoa” e não “Robot”. Na Fé Cristã são proibidos os pessimismo e a desconfiança pela Criação e pelo Ser Humano, hoje tão presentes infelizmente em tantos movimentos eclesiais. No nosso aprender quotidiano a viver e a amar, com quedas e erros, temos o descobrir o Abbá que não está para julgar, mas que nos segura e conduz pela mão, e nos desafia nesta bela aventura de viver!

Na Bíblia encontramos diversas expressões de ira e de maldição na boca de Deus. Para além de serem os tais condicionamentos culturais – os autores colocam em Deus experiências tipicamente humanas e históricas – podemos encontrar uma proclamação fundamental: Deus odeia o pecado, o sofrimento e o mal. Ira-se contra ele. Não é sua vontade, não o quer; Deus não envia sofrimentos, como tantas vezes ouvimos dizer, nem provas, nem tentações. O Deus Criador, o Abbá, não quer o sofrimento da sua criatura. E porque odeia o pecado, Deus ama absolutamente e incondicionalmente o pecador, num Amor tão grande capaz de o transformar e recriar – é a experiência do Perdão, como encontramos proclamada no episódio da Mulher Adúltera e do Filho Pródigo.

Finalmente, a grande Boa Nova do Novo Testamento, e que Paulo tanto se dedica a proclamar, é que perante o pecado, o sofrimento, a injustiça e o mal, o Amor de Deus é mais forte, sai vencedor! Apesar de rejeitado pelas forças contrárias do seu Povo, o Messias de Deus foi fiel até ao fim, e Deus foi-lhe também fiel – Ressuscitou! E como ressuscitou, o Reino de Deus, a Salvação sonhada e querida por Deus para a sua Humanidade está finalmente realizada em plenitude: o Espírito Santo já está presente de modo pleno no seio dos corações humanos, e faz acontecer a assunção da Humanidade na própria Família Divina – esta Humanidade pecadora, sofredora, doente. Por isso a acção do Espírito Santo de Jesus Ressuscitado no nosso coração faz acontecer esta força vitalizante do Perdão, que nos empurra a formar frentes de humanização no mundo: como cristãos, não estamos chamados a dar um moralismo pessimista e angustiado, mas a ser mediação de libertação, perdão e fraternidade junto dos nossos irmãos. Isto porque saboreamos que, diante do pecado e do mal, o Amor de Deus é sempre mais forte. “Onde abundou o pecado, superabundou a Graça!” (Rom 5, 20)

Em comunhão com os amigos JR de São João da Madeira
e unido ao meu irmão Rui
nestas aventuras de viver nas danças de Deus
(já quase nos trinta, sim senhor!)

2 comentários:

Anónimo disse...

Espectacular!!! Grande texto!!!
Grande lição!! Seria bom que muita gente lê-se pois teríamos todos grandes benefícios com isso, desde que compreendido e posto em prática.
Um grande Abraço e obrigado por esta grande partilha.

verinha:) disse...

'Simplesmente'...

MUITO OBRIGADA!!*