quarta-feira, 24 de setembro de 2008

O Homem no centro, o Reino da Graça

Esta experiencia única do Amor gratuito do Pai leva Jesus a purificar o próprio rosto do ser humano, de cada pessoa. Parece que a lente de Jesus é a própria lente de Deus que vê em cada um, com as suas marcas, imperfeições e sofrimentos, o rosto belo, “demasiado bom” de Adam no Projecto Criador. Como sabemos, não se trata de um “paraíso perdido” lá no início, mas da vocação a que o Homem está chamado a ser.
Experimentando o Cuidado Amoroso e Paternal do Abbá pelas suas cristuras, esse Cuidado gratuito e generoso do acto criador, Jesus vai testemunhá-lo sobretudo junto dos que vivem mais oprimidos, os Anawim. É a nova condição de Filhos, que ultrapassa todas as lógicas da lei e submissão. Paulo, olhando para o próprio mistério de Cristo, chama-lhe a “Plenitude dos Tempos”: “Quando chegou a Plenitude dos Tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os súbditos da lei afim de recebermos a condição de Filhos. E como sois Filhos, Deus derramou nos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: Abbá, Pai! De modo que não és escravo, mas filho; e se és filho, és também herdeiro, por disposição de Deus” (Gal 4, 4-7).

O ser humano é verdadeiramente a única imagem de Deus; em nome desta centralidade da pessoa, Jesus relativiza as principais práticas religiosas judaicas: “o sábado foi feito para o Homem, não o Homem para o sábado” (Mc 2, 27). “Ai de vós, fariseus, que pagais o dízimo da hortelã, da arruda e de todo o tipo de verduras, e descuidais a justiça e o Amor de Deus” (Lc 11, 42). Perante todo o tipo de tradições e práticas religiosas, até sociais, Jesus aponta para a centralidade do Homem: “Levanta-te e coloca-te no meio” (Lc 6, 8). O mesmo acontece em relação às distinções que se estabeleciam entre as pessoas por causa dos critérios de pureza e impureza: uma visão pessimista da realidade, que separava as pessoas e as levava a viver com desconfiança.

Perante isto, Jesus vive com uma certeza e confiança na bondade da Criação: come e bebe, ao contrário dos discípulos de João e dos fariseus, participa em festas e utiliza a imagem do Banquete para falar do Reino de Deus, no qual todos estão convidados a participar. Rompe com a lógica dos alimentos puros e impuros. “Escutai todos e compreendei. Não há nada fora do Homem que, ao entrar nele, possa contaminá-lo. O que sai do Homem é que contamina o Homem” (Mc 7, 15). A maneira como se deixa tocar por mulheres (Lc 7, 37), leprosos (Mt 8, 2) e até crianças (Lc 18, 15) prova a sua liberdade perante os tabus que deturpam as relações em nome de um deus falso porque falseia o Homem!

Encontro talvez um tabú em Jesus, um mandamento que ele apresenta com uma seriedade radical: “Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados. Perdoai e vos perdoarão. Dai e vos darão” (Lc 6, 37). O que parece que está em causa é um modelo de relações que Jesus estigmatiza, a de agir com o outro e vê-lo com base nos próprios critérios: “Porque reparas no cisco do olho do teu irmão e não reparas na viga que tens no teu?” (Lc 6, 41). Parece que para Jesus é uma questão de vida ou de morte. Talvez seja esta a sua versão do mandamento do Génesis: “Podes comer de todas as árvores do Jardim, mas não comerás da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, pois no dia em que comeres, morrerás” (Gen 2, 17).

O que está em causa não é um pretenso juízo ou castigo de Deus, que afinal responderia ao Homem na mesma moeda e não naquela liberdade criadora e gratuita das Origens. O que está em causa é a própria lógica de viver do ser humano, da maneira como constrói ou desconstrói as suas relações. A ordem da lei, do juízo e da condenação não é capaz de superar e transformar o mal e o pecado. Pelo contrário, conduz a uma espiral de violência e de morte que acaba por conduzir Jesus à Cruz, sob a lei romana e sacerdotal. O único tabu talvez que Jesus expulsa é o Homem fechado em si mesmo, centrado em lógicas de poder, sucesso e glória, como o demonstra a catequese dos Evangelhos Sinópticos sobre as tentações (Lc 4, 1-13). É a essa dinâmica de morte que Jesus lança o seu maior alerta, e que como vemos é uma questão humana, mais que religiosa: “Deus disse: Insensato! Nesta noite te pedirão a vida. Aquilo que preparaste, para quem será? Assim é aquele que acumula para si e não é rico para Deus” (Lc 12, 20).

O anúncio de Jesus apresenta a Liberdade de Deus que entra na história dos homens de uma maneira radicalmente nova e original. É de facto uma Nova Ordem, uma nova Era que está a nascer: diante de todas as lógicas fechadas de relações segundo a lei e de realização pessoal segundo a conquista e a luta, o Amor de Deus surge como Proposta de Graça, Perdão e Criatividade. Sem dúvida, o Reino de Deus é o Reino do Homem Livre; é uma Nova Criação que está em marcha, uma Nova Humanidade pronta a renascer: “A Humanidade se emancipará da escravidão da corrupção, para obter a liberdade gloriosa dos filhos de Deus” (Rom 8, 21).
O Projecto de Jesus, o Projecto de uma Nova Humanidade que possa nascer na Ordem da Graça e da Vida. Na experiencia de Jesus estará sem dúvida uma tremenda confiança na vontade do Pai, na certeza de que essa vontade coincide com o que é melhor para o Homem. Deus está aí como uma plena doação de Amor e Perdão que conduz a Humanidade para uma nova Lógica, a Lógica da Salvação, da Graça e da Liberdade. A Ordem do Espírito. “Capacitou-nos para servir uma Aliança Nova: não de simples letras, mas de Espírito; porque a letra mata, o Espírito dá vida. Onde está o Espírito do Senhor, aí está a Liberdade” (2Cor 3, 6.17).

A resposta que nos é pedida diante deste Dom ultrapassa em muito uma conversão moral, um esforço de sermos pessoas melhores. Trata-se de um acolhimento agradecido, que nos leve a superar todas as lógicas egoístas e fechadas do Homem Velho, e nos leve a renascer para a Loucura desta Graça e deste Amor Revelado: “Em verdade te digo que, se não nasceres de novo, não poderás entrar no Reino de Deus” (Jo 3, 3).
um grande abraço!

2 comentários:

Anónimo disse...

Obrigado pela maneira bonita como apresentas o mistério de Cristo e, por ele, o rosto de deus.
Tenho a certeza de que muita gente vai amarmaisa Jesus e a gostar mais de Deus graças à paixão que está a emergir em ti.
Obrigado e um grande abraço!

Paulo Costa disse...

Obrigado por esta partilha feita de palavras simples, mas tão cheias de profundidade, verdade, paixão e confiança.
Que Deus nos conceda o dom de acolher a sua Graça e nos ajude a vencer todas as formas de egocentrismo.

Abraço fraterno!