quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Abba (II): a Novidade de Jesus de Nazaré

Vimos em termos breves como a linguagem da paternidade de Deus percorre todo o Antigo Testamento, ainda que por linhas travessas. No tempo de Jesus temos um povo com uma tradição de tratar a Deus por tu (nos salmos, orações que tanto eram feitas em nome individual ou em nome de todo o Povo). Então, onde está a novidade de Jesus?

O Novo Testamento, escrito em grego, deixa-nos, em 3 versículos, uma palavra aramaica que é uma pérola, um tesouro que nos chega às mãos: Abbá. Abbá é um diminutivo familiar que encontramos na boca das crianças e que significa paizinho, papá, a par de Immã, mãezinha. Não seria estranho se a encontrávamos na boca de adultos no trato com os pais, o impossível era encontrá-la na relação com Deus! No entanto, é o que nos passa em três passagens do Novo Testamento escrito em grego, o que significa que as comunidades cristãs, muitas formadas por convertidos do paganismo, preservavam esta tradição vinda da boca de Jesus: que impacto não terá tido!

A primeira passagem onde a encontramos é em Mc 14,36, na boca de Jesus: «Abbá, Pai, tu podes tudo, afasta de mim esta taça. Mas não se faça a minha vontade, e sim a tua». É de realçar que esta palavra mais “virgem”, Abbá, a encontramos no momento talvez mais dramático da vida de Jesus, antes de ser preso. É uma tradição que depois a carta aos Hebreus retomará para acentuar a fidelidade da relação filial de Jesus com o Pai e por isso a sua solidariedade com todos os homens, sobretudo com as vítimas da história:

«Nos dias da sua vida terrena, apresentou orações e súplicas àquele que o podia salvar da morte, com grande clamor e lágrimas, e foi atendido por causa da sua piedade. Apesar de ser Filho, aprendeu a obediência por aquilo que sofreu e, tornado perfeito (Ressuscitado), tornou-se para todos os que lhe obedecem fonte de salvação eterna» (Heb 5,7-9).

As outras passagens são dois textos quase idênticos, em Rom 8,14-17 e Gal 4,4-7: «E como sois filhos, Deus derramou no vosso coração o Espírito de seu filho que clama Abbá, Pai!» (Gal 4,6). Paulo testemunha uma experiencia que deveria ser muito forte e comum nas suas comunidades: unidos a Jesus, o Ressuscitado, partilhamos do mesmo Espírito Santo que o elegeu e tornou Filho, e por isso podemos tratar a Deus como ele o fez!

Uma experiencia tão diferente, tão próxima, íntima e familiar na relação com Deus não poderia ser invenção dos discípulos vindos do judaísmo: tem de ser uma novidade de Jesus. O texto do Pai-Nosso, verdadeiro património da Humanidade, vem introduzido no Evangelho de Lucas pela experiencia que os discípulos fazem da intimidade da relação de Jesus com Deus: «Sucedeu que Jesus estava algures a orar. Quando acabou, disse-lhe um dos seus discípulos: Senhor, ensina-nos a orar, como João também ensinou os seus discípulos» (Lc 11,1).

A linha de fundo que nos conduz, e da qual nunca nos podemos esquecer, é a novidade do anuncio de Jesus: «Completou-se o tempo e o Reino de Deus está Próximo; convertei-vos e acreditai na Boa-Noticia» (Mc 1,15). Jesus anuncia o Reino de Deus como a Presença Salvadora de Deus que já está a acontecer na nossa história. Deus toma partido pelo seu Povo, pela Humanidade, está aí para inaugurar um tempo novo de Salvação, como o fizera no Êxodo. É uma Presença de Amor Salvador: o semeador já saiu a semear, e a semente dá fruto em abundância (Mc 4,3.8). É uma Boa-Noticia de Alegria para aqueles que têm o privilégio de a conhecer, como o encontramos neste texto belíssimo de Lucas:

«Nesse mesmo instante, Jesus estremeceu de alegria sob a acção do Espírito Santo e disse: «Bendigo-te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado (…) Voltando-se, depois, para os discípulos, disse-lhes em particular: «Felizes os olhos que vêem o que estais a ver. Porque - digo-vos - muitos profetas e reis quiseram ver o que vedes e não o viram, ouvir o que ouvis e não o ouviram!» (Lc 10,21-24).

Assim, o anúncio do Reino concretiza-se, para Jesus, no convite à confiança e entrega no Cuidado Paternal de Deus: «O vosso Pai celeste bem sabe que tendes necessidade de tudo isso. Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais se vos dará por acréscimo» (Mt 6,32).
Um grande abraço!

2 comentários:

Anónimo disse...

Foi bonita amaneira como soubeste acentuar o salto de qualidade para Jesus.
Obrigado pela maneira como estás a comunicara fé!

A. Andr@de disse...

Gostaria de comentar esta expressão em Mc “Crede no evangelho”. Ela é a nova roupa da palavra profética. Indica uma abertura à confiança: o evangelho é o advento do reinado de Deus. Sendo assim, Jesus foi completamente aberto ao projeto do Pai e seu Abbá revela isso com muita clareza. Converter-se, para nós cristãos, não é simplesmente mudar de opinião, mas aceitar o que Jesus diz. É exigência profética até o Batista e se manifesta na confiança em Jesus assim como Ele estava ligado ao Pai. Parabéns pela postagem!