domingo, 11 de janeiro de 2009

A Experiência da Aliança

A saída do Egipto, a que o Povo chama de Êxodo ou Páscoa, é narrada e escrita séculos mais tarde de uma maneira simbólica e épica (o mar que se abre, as pragas do Egipto, etc.), um pouco como Camões canta a viagem de Vasco da Gama à Índia nos Lusíadas. Mas o Êxodo ou Páscoa é um acontecimento que vai dar origem a uma História, a um Projecto: Deus não abandona o seu Povo mas caminha com ele, compromete-se numa relação; faz uma Aliança. Aliança é a palavra-chave do Antigo Testamento, porque é a história de Deus com Israel, uma história de Aliança. Deus inicia com o Povo um caminho de libertação do Egipto para se tornar o seu Deus e eles, o seu Povo, numa mútua pertença.

O grande símbolo desta Aliança são as tábuas da lei, ou dos 10 mandamentos, que Moisés recebe no Sinai (Ex 34,10.28). Os mandamentos são como que a origem de uma Constituição, ética e legal, para organizar a vida do Povo na Terra Prometida. O sábado, como dia de descanso, será outro símbolo desta Aliança, tal como a circuncisão. «Tomar-vos-ei por meu Povo e serei o vosso Deus. E vós sabereis que eu sou o Senhor vosso Deus» (Ex 6,7).

O Deus da Aliança é um Deus que se compromete com o seu Povo, que o torna seu Parceiro e Interlocutor. É uma dignidade muito grande um Deus tomar a um Povo como Parceiro de Aliança. É um Deus que inicia uma História com o Povo, no qual Israel caminha em liberdade e autonomia, é convidado a dar uma resposta (Res-ponsabilidade) à proposta de Deus. O Povo viveria na Terra Prometida de acordo com os mandamentos da Aliança de maneira que a Terra se tornasse uma terra de prosperidade, paz e justiça; e Deus não deixaria de estar com o seu Povo para o proteger.

Por volta do ano 1000 a.C. começa a monarquia em Israel com Saul, David e Salomão. O rei é o representante do Povo junto de Deus e tem a missão de defender o Povo e exercer a justiça em nome e sempre subordinado a Deus e à sua Palavra (1Sam 8,5). Então o rei será o grande representante da Aliança de Deus com Israel e Deus fará uma Aliança com David e os seus sucessores: o reino manter-se-á sempre unido e será construído um templo (2Sam 7,14). Nasce a Esperança Messiânica: Israel espera um Rei, um Messias (que significa Ungido) que inaugurará o Reino de justiça e paz segundo a vontade de Deus. Seria ele que unificaria Israel como reino porque, logo em 931 a.C. o reino divide-se em dois (Judá e Israel) e, a partir de 587 a.C. com a invasão dos babilónios, Israel nunca mais será independente, mesmo no tempo de Jesus (com a ocupação romana).

Quando o Povo se instala na Terra e surge, mais tarde, a monarquia, surgem também os problemas próprios de um povo “instalado”: infidelidades à Aliança, idolatria e culto a divindades, alianças com outros reinos, opressão e desigualdades sociais… É aqui que surgem, na história de Israel, personagens muito importantes: os Profetas, como Isaías, Jeremias, Ezequiel, etc). Os profetas não são adivinhos do futuro, mas são homens com uma profunda experiencia do Deus da Aliança que testemunham e interpelam o Povo nos diversos acontecimentos históricos, à luz da Palavra e da Vontade de Deus. Denunciam muitas vezes a infidelidade dos reis de Israel à sua missão e o afastamento do Povo da Aliança.

Por exemplo, podemos ver a crítica que faz o profeta Miqueias: «Ouvi isto, dirigentes da casa de Jacob, e chefes da casa de Israel, que aborreceis a justiça, e entortais tudo o que é recto, que edificais Sião com o sangue, e Jerusalém com o crime.» (Miq 3,9-10)

Os profetas são também muito críticos da hipocrisia que se vivia à volta do templo de Jerusalém, que era o centro da religião judaica e do culto: não são os sacrifícios, jejuns e cultos que Deus quer, mas sim a fidelidade à Aliança, à justiça e ao direito: «De que me serve a mim a multidão das vossas vítimas? - diz o Senhor. Quando me viestes prestar culto, quem reclamou de vós semelhantes dons, ao pisardes o meu santuário? Quando levantais as vossas mãos, afasto de vós os meus olhos; podeis multiplicar as vossas preces, que Eu não as atendo. É que as vossas mãos estão cheias de sangue. Lavai-vos, purificai-vos, tirai da frente dos meus olhos a malícia das vossas acções. Cessai de fazer o mal, aprendei a fazer o bem; procurai o que é justo, socorrei os oprimidos, fazei justiça aos órfãos, defendei as viúvas. Vinde agora, entendamo-nos - diz o Senhor. Mesmo que os vossos pecados sejam como escarlate, tornar-se-ão brancos como a neve. Mesmo que sejam vermelhos como a púrpura, ficarão brancos como a lã» (Is 1,10-18).

Mas, apesar de denunciarem as infidelidades, violências e hipocrisias do Povo e dos seus lideres, os profetas nunca ficam por aí; apesar de tudo, eles anunciam a fidelidade de Deus à Aliança. Deus não desiste, Deus é fiel apesar de o povo não o ser, como o dirá mais tarde Paulo: «Se lhe formos infiéis, ele permanece fiel pois não pode renegar-se a si mesmo…» (2Tim 2,13). O Perdão, na Bíblia, é o Amor não-desistente de Deus que se mantém fiel e não deixa de renovar com o Povo a Aliança. O Perdão, na Bíblia, é sempre dom e iniciativa de Deus, e o seu acolhimento acontece na conversão, no regresso à Aliança e na vivencia da Justiça: «Mas contigo está o Perdão… o Amor e a Abundância da Redenção» (Sal 130,4.7). É Deus quem perdoa e resgata Israel do seu pecado, numa história de libertação; o Perdão é iniciativa e acção de Deus, não um Deus ofendido que fica à espera das nossas desculpas, cultos e sacrifícios.

Assim, os profetas não deixam de alimentar o Sonho de uma Promessa: Deus há-de estabelecer com Israel uma Aliança definitiva, e aí o Povo será fiel tornando-se a Terra Prometida um Reino de prosperidade, paz e justiça. É o grande sonho de Isaias com o Emanuel, o Deus-Connosco, que seria a figura de um rei, descendente de David, que estabeleceria a Paz messiânica: «Porque a bota que pisa o solo com arrogância e a capa empapada em sangue serão queimadas e serão pasto das chamas. Porquanto um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado; tem a soberania sobre os seus ombros, e o seu nome é: Conselheiro-Admirável, Deus herói, Pai-Eterno, Príncipe da paz. Dilatará o seu domínio com uma paz sem limites, sobre o trono de David e sobre o seu reino. Ele o estabelecerá e o consolidará com o direito e com a justiça, desde agora e para sempre. Assim fará o amor ardente do Senhor do universo» (Is 9,4-6).

Os profetas têm também a missão de anunciar o Amor de Deus para com o Povo, a consolação e a esperança de que Deus está junto dos que mais sofrem: «Que formosos são sobre os montes os pés do mensageiro que anuncia a paz, que apregoa a boa-nova, e que proclama a salvação! Que diz a Sião: «O rei é o teu Deus!» (Is 52,7). Será uma missão com a qual Jesus se identificará.

Ao ver que a lei do Sinai é incapaz de tornar o Povo fiel à Aliança, Jeremias sonha com uma Nova Aliança, inaugurada por Deus. Esta assenta no Espírito de Deus que transforma o crente e o conduz à fidelidade interior e sincera à Aliança: «Dias virão em que firmarei uma nova aliança com a casa de Israel e a casa de Judá - oráculo do Senhor. Não será como a aliança que estabeleci com seus pais, quando os tomei pela mão para os fazer sair da terra do Egipto, aliança que eles não cumpriram, embora Eu fosse o seu Deus - oráculo do Senhor. Esta será a Aliança que estabelecerei, depois desses dias, com a casa de Israel - oráculo do Senhor: Imprimirei a minha lei no seu íntimo e gravá-la-ei no seu coração. Serei o seu Deus e eles serão o meu povo. Ninguém ensinará mais o seu próximo ou o seu irmão, dizendo: 'Aprende a conhecer o Senhor!' Pois todos me conhecerão, desde o maior ao mais pequeno, porque a todos perdoarei as suas faltas, e não mais lembrarei os seus pecados» - oráculo do Senhor» (Jer 31,31-34).

Como vemos, a História da Aliança é também a História do Perdão e da Fidelidade, a História da Ternura de Deus: a Aliança não nasce feita nem acabada, é uma História na qual Deus vai caminhando com o seu Povo, não o abandona nem desiste, não deixa de o conduzir rumo a um futuro que será de Salvação, de Plenitude, de realização plena desta Aliança que não deixa de ser um Sonho.
um grande abraço!

2 comentários:

Anónimo disse...

Como tem sido bom crescer contigop!...
Obrigada Rui Pedro,OBRIGADA MESMO!

Anónimo disse...

Obrigado Rui Pedro por nos ajudares a compreender a presença de um Deus a fazer história connosco.
Obrigado por esse teu jeito de nos mostrares a ternuira de Deus