quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O Deus da Aliança, da Graça, das Misericórdias...


A partir desta experiencia e história de Aliança, o Antigo Testamento, sobretudo pelos profetas, vai desenvolver uma bela linguagem para falar da própria relação com Deus, e da maneira de Deus estar e agir junto do Povo. Será sempre uma linguagem marcada pelo Amor, com as experiencias mais forte e intimas de amor que existem: a de uma mãe com o seu filho, e a do matrimónio.

O profeta Oseias será o grande mestre desta linguagem do Amor, logo seguido de Isaias: apresentam a relação de Aliança de Deus com Israel através da imagem de uma relação matrimonial. Oseias fez uma experiencia real e concreta de traição: a sua mulher foi infiel; apesar de traído e ferido, Oseias sente a vontade de perdoar e de reconquistar a sua mulher (Os 3,1). A partir daqui, Oseias descobrirá que, apesar das inúmeras infidelidades do povo à Aliança, Deus não deixa de ser fiel e de renovar com o Povo essa Aliança, tal como no princípio, no Êxodo.

«É assim que a vou seduzir: ao deserto a conduzirei, para lhe falar ao coração. Dar-lhe-ei então as suas vinhas e o vale de Acor será como porta de esperança. Aí, ela responderá como no tempo da sua juventude, como nos dias em que subiu da terra do Egipto. Naquele dia - oráculo do Senhor ela me chamará: «Meu marido» e nunca mais: «Meu Baal» (divindade da Palestina à qual o povo caia muitas vezes em idolatria). Então, te desposarei para sempre; desposar-te-ei conforme a justiça e o direito, com amor e misericórdia. Desposar-te-ei com fidelidade, e tu conhecerás o Senhor» (Os 2,16-22).

A experiencia que está por debaixo é sempre a de um Deus que elege o Povo, o liberta do Egipto por pura Graça, faz uma Aliança e lhe prepara uma Terra Prometida como um Dom. Israel faz uma experiencia fortemente Pessoal de Deus: o Deus da Aliança não é um ser estático, parado, afastado lá num céu qualquer, mas é um Deus com sentimentos, com acções e opções, um Deus de Bondade que elege, ama, escolhe, vê, conhece, perdoa… Um Deus que nos convida para sermos parceiros de uma História de Aliança, como num matrimónio.

Além da linguagem do matrimónio, surge também a linguagem da Graça. Graça, em hebraico diz-se Hanan, e representa a figura de uma mãe que se abaixa para alimentar, aquecer e mimar a sua criança de colo… Israel experimenta a profunda gratidão e admiração por um Deus que a elege, caminha com ela, a protege, sem o merecer, sem o justificar, sem o conquistar…
A linguagem da Graça é toda a oposta à linguagem dos méritos ou das leis: diante da bondade de Deus não há quem a mereça nem seja justo, todos estamos na condição de acolhedores injustificados. Será a grande luta de Jesus contra todas as lógicas farisaicas, e de Paulo também: a Salvação e o Perdão de Deus são pura Graça, que não se pode merecer, e portanto não fazem sentido as distinções entre justos e injustos, puros e impuros (Lc 18,14; Ef 2,8).

É belo este poema de Oseias a narrar a relação de Deus com Israel: «Quando Israel era ainda menino, Eu amei-o, e chamei do Egipto o meu filho. Mas, quanto mais os chamei, mais eles se afastaram. Entretanto, Eu ensinava Efraim (outro nome atribuído a Israel) a andar, trazia-o nos meus braços, mas não reconheceram que era Eu quem cuidava deles. Segurava-os com laços humanos, com laços de amor, fui para eles como os que levantam uma criancinha contra o seu rosto; inclinei-me para ele para lhe dar de comer. Como poderia abandonar-te, ó Efraim? Entregar-te, ó Israel? O meu coração dá voltas dentro de mim, comovem-se as minhas entranhas. Não desafogarei o furor da minha cólera, não voltarei a destruir Efraim; porque sou Deus e não um homem, sou o Santo no meio de ti, e não me deixo levar pela ira» (Os 11,1-9)

Do mesmo modo, Isaías proclama a Israel esta relação de pertença de Deus com o Povo: «Cantai, ó céus! Exulta de alegria, ó terra! Prorrompei em exclamações, ó montes! Na verdade, o Senhor consola o seu povo, e se compadece dos desamparados. Sião dizia: «O Senhor abandonou-me, o meu dono esqueceu-se de mim.» Acaso pode uma mulher esquecer-se do seu bebé, não ter carinho pelo fruto das suas entranhas? Ainda que ela se esquecesse dele, Eu nunca te esqueceria. Eis que Eu gravei a tua imagem na palma das minhas mãos. As tuas muralhas estão sempre diante dos meus olhos» (Is 49,13-16).

Outra das linguagens muito utilizada para falar de Deus é a das Misericórdias; sim, a Misericórdia de Deus, na Bíblia, surge sempre no plural, e designa o «revolver das entranhas», a dor profunda, solidária que sentimos no ventre com o sofrimento de alguém muito próximo. O Deus das Misericórdias ou «das entranhas» é o Deus que não é neutro diante do sofrimento do seu Povo, que experimenta a dor, que se solidariza e, por isso, actua e desce para o salvar. No Novo Testamento encontramos em dois textos muito significativos esta expressão: na parábola do chamado Bom Samaritano «Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, encheu-se de compaixão. E aproximou-se…» (Lc 10,33); e na parábola do chamado Filho Pródigo: «Quando ainda estava longe, o pai viu-o e, enchendo-se de compaixão, correu a lançar-se-lhe ao pescoço e cobriu-o de beijos…» (Lc 15,20).

Uma linguagem que curiosamente está muito próxima desta das Misericórdias é a chamada Ira de Deus… basta percorrermos as páginas dos profetas que estamos sempre a encontrar passagens em que Deus está irado e quer destruir o seu Povo. Claro que as linguagens sobre Deus são sempre limitadas e vão progredindo ao longo da história, sofrendo sempre condicionalismos culturais. Mas o que está em causa é que de facto Deus não é neutro perante o pecado e as situações de sofrimento do seu Povo! Deus ira-se diante do pecado, da morte e de tudo o que faz mal ao seu Povo, sobretudo àqueles que menos se podem defender: os «pobres, órfãos, as viúvas e os estrangeiros» (Ex 22,22). E por isso Deus está comprometido absolutamente na vitória sobre o mal e o sofrimento, e com Jesus descobriremos que a destruição do pecado passa pela libertação e transformação do pecado, nunca pela sua morte. Além disso, nos profetas, a ultima palavra, sempre, que encontramos em Deus é sempre de Perdão e de Salvação: pode dizer-se que, neste caso, Deus não é coerente: diz, e não cumpre. É o que encontramos neste belíssimo texto em Moisés leva Deus a arrepender-se e a mudar!

«O Senhor prosseguiu: «Vejo bem que este povo é um povo de cerviz dura. Agora, deixa-me; a minha cólera vai inflamar-se contra eles e destruí-los-ei. Mas farei de ti uma grande nação.» Moisés implorou ao Senhor, seu Deus, dizendo-lhe: «Porquê, Senhor, a tua cólera se inflamará contra o teu povo, que fizeste sair do Egipto com tão grande poder e com mão tão poderosa? Não é conveniente que se possa dizer no Egipto: ‘Foi com má intenção que Ele os fez sair, foi para os matar nas montanhas e suprimi-los da face da Terra!’ Não te deixes dominar pela cólera e abandona a decisão de fazer mal a este povo. Recorda-te de Abraão, de Isaac e de Israel, teus servos, aos quais juraste por ti mesmo: tornarei a vossa descendência tão numerosa como as estrelas do céu e concederei à vossa posteridade esta terra de que falei, e eles hão-de recebê-la como herança eterna.» E o Senhor arrependeu-se das ameaças que proferira contra o seu povo» (Ex 32,9-14).

um grande abraço!

3 comentários:

Anónimo disse...

Olá Rui Pedro
Este texto continua o anterior no sentido de analisar de maneira muito bonita a ternurade Deus que não desiste, apesar do pecado do homem.
Obrigado e um abraço

A. Andr@de disse...

Parabéns pelo blog, vou colocar um link no meu!

Anawîm disse...

O Deus Esposo/Companheiro...
O Deus Mãe que cobre de cuidados sem anular, sem "abafar"...
O Deus das Misericórdias que desce para cuidar e fazer sarar as nossas feridas...
O Deus Irado de zelo, Companheiro Comprometido em tomar partido incondicional por nós, denunciador de tudo o que escraviza e nos faz pequenos...
O Deus que DESCE, e nos LEVANTA, nos ergue para Ele

O Deus Bom...
o Deus Bom...
O Deus Bom...
... que (e quem ama bem sabe que é assim) inventa mil maneiras de "dizer": Amo-te, povo meu!
Amo-te, Coração que te faço meu, dentro do Meu"


Agradeço-te, Rui... estas partilhas são de uma riqueza... ui...
Agradeço-te

Um abraço grande e bom para ti!