sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

O Monoteísmo: toda a História é abraçada por um só Projecto de Salvação…

Contrariamente ao que costumamos pensar, o Monoteísmo, a proclamação de que há um só Deus verdadeiro, é tardio em Israel e surge ao fim de um longo processo. É por volta do séc. VII a.C. que surge a grande proclamação que se torna o centro da fé em Israel: «Escuta, Israel! O Senhor é nosso Deus; o Senhor é único! Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças» (Dt 6,4-5).

Esta proclamação só surge quando se compreende que o Deus de Israel não é apenas Deus de Israel mas o é também de toda a Humanidade. Inicialmente, Javé era o Deus do Povo de Israel, e os outros povos poderiam ter também as suas divindades. Apesar de tudo, Javé era o único Deus a intervir e a construir uma História com o seu Povo, sendo mais forte que todas as outras divindades: estas não formavam Aliança nem escreviam uma História e uma Promessa. A grande luta começou por ser unificar o Povo no único Deus e numa única Fé, superando as idolatrias e divindades que ainda existiam em Israel.

Foi no contexto do Exílio na Babilónia que se chegou à compreensão do único Deus Universal. Em 587, Israel perde a independência e o povo é deportado para a Babilónia (actual Iraque), onde viverão cerca de 50 anos. Aqui a fé de Israel é ameaçada quer pela desilusão da derrota, quer pelo culto babilónico que era majestoso. Parecia que o Deus da Aliança tinha desistido do seu Povo, ou então tinha sido derrotado.
De novo, será Isaias que alimentará a fé do seu Povo proclamando: Não! Javé continua a ser o nosso Deus, mais, Ele é o único Deus! O Exilio tinha de acontecer, porque o povo não estava a ser fiel à Aliança e por isso saiu derrotado. Mas as divindades dos babilónios não são nada, o nosso Deus é também o seu Deus! E Ele nos libertará de novo, como o fez no Egipto! «Vós é que sois os meus servos, os que Eu escolhi, para reconhecerem, acreditarem e compreenderem que Eu é que sou Deus. Antes de mim, não havia deus nenhum, e depois de mim também não haverá. Eu e só Eu é que sou o Senhor. Não há outro Salvador além de mim. Eu é que predisse e salvei. Eu é que anunciei, e não há nenhum outro no meio de vós» (Is 43,10-12).

O Monoteísmo surge aqui como uma grande proclamação de Salvação! Não significa apenas que há um só Deus, mas que toda a História da Humanidade, não só de Israel mas de todos os Povos, é abraçada por um só Projecto de Salvação, de Promessa e Aliança! As divindades dos povos vizinhos eram na prática mundos divinos construídos à imagem da sociedade humana, em que os deuses casavam uns com os outros, lutavam, tinham hierarquias, e os humanos existiam apenas para lhes dar culto e os servir.

Ao contrário, a grande proclamação de Israel é que Deus faz uma Aliança com a Humanidade e a Criação, através do Povo, para a conduzir numa História até uma Promessa de Salvação! Assim, a Humanidade não nasce por acaso, para servir e dar culto às divindades, mas surge de um Projecto de Amor e Salvação sonhado por Deus, para caminhar numa História de Aliança! Será por esta altura, séc. VII a.C., que surge o relato da Criação de Gen 1,1-2,4: a Criação é um Projecto de 7 dias (símbolo da Aliança), em que Deus cria por puro dom e gratuidade, pela sua Palavra (o refrão «e Deus disse») e está permanentemente a repetir, como num Poema: «e Deus viu que tudo era Bom». E o Homem, Adam, toda a Humanidade, surgem à imagem de Deus (Gen 1,27), chamados a viver em Aliança e a dominar sobre toda a Criação, a caminhar do 6º para o 7º dia, o dia de Deus, o dia da Plenitude!

É este filão, esta História de Ternura que nos vai conduzir ao Novo Testamento: para este nascer, para nascer um Homem chamado Jesus de Nazaré, tem de haver a consciência de que Israel conta com um Deus fiel, o Deus da Aliança, que está a fazer com toda a Humanidade uma História de Salvação, e que a conduz a uma Promessa de Plenitude. Esta, pelo mistério da Eleição, surgirá através de um Homem, um Eleito, um Ungido (Messias) que inaugurará a Plenitude dos Tempos (Gal 4,4), o Reino em que Deus se faz totalmente presente, Emanuel, e derrama o seu Espírito sobre toda a Humanidade (Joel 3,1-5; Act 2,17). Deus e a Humanidade, juntos, a caminhar numa História de Aliança.

Bem, e com este texto termina esta série sobre o Antigo Testamento e o Rosto de Deus que nele se revela. A partir da próxima semana faremos em três textos um pouco a história da Paternidade de Deus tal como esta foi compreendida ao longo da Biblia. Bom fim-de-semana!

6 comentários:

Sol da manhã disse...

Deus e a Humanidade, juntos, a caminhar num História de Aliança.

... numa História de ALIANÇA...
... num poema de amor...
... juntos...
... numa História da TERNURA...
... no dia favorável...
... HOJE, AQUI e AGORA...
... numa História da Graça...
... derramada por nós...
... Filhos da LUZ, suscitados para a Liberdade, para a Paz, para a Plenitude da Comunhão!...



DEMASIADO BOM!


Muito Obrigada Rui Pedro, e um fim de semana de Missão Demasiado BOA!

Anawîm disse...

É tão bom ver como as descobertas progressivas do Rosto de um Deus Amante Único, as alianças/compromissos, os desencantos, derrotas e infidelidades com outros "deuses" de tantos nomes e de tantos tempos... a Promessa de Salvação, as exultações proclamadas e os tantos sinais que Israel foi intuindo, lendo na sua História de tantos e tantos anos de caminhada com o seu Deus... é tanto como a nossa história pessoal, é tanto como os traços da história mais íntima de cada um de nós.

E que bom é "cantar" sempre de novo esse "... e Deus disse" que Ele ainda não acabou de dizer... porque o "canta" com a nossa voz, com a nossa vida, connosco...
... e Se encanta connosco sempre de novo, connosco, continua a acontecer esse "... e Deus viu que era MUITO bom!"... que somos nós, o melhor dEle...
Somos mesmo, a fazermo-nos ainda Corpo com o Nazareno, o que de melhor Ele "faz"!

Um abraço forte e bom, Rui... agradeço-te a tua partilha tão rica, mais uma vez.

A. Andr@de disse...

Parabéns pelo texto. Gostaria de ampliar ainda mais a reflexão com uma questão que volta e meia aprece: seria o profeta Ezequiel o pai do judaísmo? Acredito que podemos ver nesta expressão um certo exagero. Contudo, ele pode ser considerado como que uma ponte entre o israel pré-exílico e o judaísmo da restauração. O profeta parece apontar nestes dois sentidos, isto é, fala da interioridade e vitalidade da religião, da realidade do pecado, mas também aponta para a certeza do juízo de Deus. Deste modo, assim como o judaísmo que se segue no pós-exílio, o profeta valoriza muito o templo e as observâncias cultuais e isso bem mais que os profetas anteriores. Sabemos que o período do exílio marca uma linha divisória na história de Israel. Com a destruição do estado, o culto oficial é supresso e parece chegar ao fim a antiga comunidade de culto nacional. Israel se torna - acho que se pode dizer assim - um grupo de pessoas derrotadas e sem identidade. No entanto, é maravilhoso perceber que sua história não termina apesar de acontecer o fim de um mundo. A incerteza da presença de Deus (Sl 137?) não terá mais tanta força com as palavras do segundo Isaías e isso é maravilhoso. Abraços!

Anónimo disse...

Rui, só agora, estive a ler calmamente os 5 textos em que nos pões a percorrer a História de Aliança/Caminho de Deus com o Povo de Israel...Aliança de Amor, Caminho feito de Presença e... Perdão nas infidelidades...Aqui ao lado Ray Charles canta "I can't stop loving you"...achei que é isto que Deus continua a dizer ...mas agora a TODOS e a cada um... porque agora a Aliança é Nova e é feita com toda a Humanidade...mas continua a ser uma relação de Ternura e Perdão...
"I can't stop loving You"!
Um abraço.

Anónimo disse...

Obrigada pela mensagem que nos transmites! Este texto resume parte daquilo que nos vem falado nas tão esperadas formações de Sábado! Acredita que nos tens feito crescer! Quanto mais não seja porque nos tens traduzido a Verdadeira Novidade...a Boa Nova que eu pensava ser mais "simples", menos importante.

Até tu falares nunca imaginei Deus assim: uma história de Salvação com a Humanidade. Um Deus que também era visto como Bom no AT...mas só por existir apenas 15 vezes (=P) a palavra "Pai" eu julgava o contrário...

Este fim-de-semana a palavra "Abbá" teve especial importância para mim! Já a conhecia e já a tinha pronunciado diversas vezes. Mas agora sinto-me mais próxima de Jesus ao dizê-la! E o que é ainda mais especial é que contando à minha mãe a nossa formação, senti que ela também gostou de aprender esta nova palavrinha...começando logo a aplicá-la, com um sorriso nos lábios!

Outra imagem especial....Deus como um pai adoptivo! Enquanto um pai biológico tem pelo menos um motivo para amar o seu filho: os genes, o seu sangue; o pai adoptivo nem esse motivo tem. Ama por pura graça, por gratutidão, porque sim! =)

Anónimo disse...

Olá Rui Pedro
O teu cresciomento na fé e aseriedade com que aprofundas os seus critérios dão-me vontade de te dizer: não és medíocree Deus conta contigo.