terça-feira, 31 de março de 2009

Sal. Luz.

Por uma determinada maneira, a minha rotina quotidiana é cortada, ou marcada, por uma Palavra que surge como encontro Pessoal. Uma Palavra inesperada, desesperada por encontrar a força e o espaço que lhe é devido (Mc 4,19), uma Palavra cuja única força é o convite, o apelo, a sedução, a interpelação, a proposta. Nunca a imposição de um deus pesado ou de uma urgência urgente tão própria do nosso mundo como o telefone que toca. Uma Palavra silenciosa, como a que Elias escuta no Sinai: «Depois do vento, tremeu a terra. Passou o tremor de terra e ateou-se um fogo; mas nem no fogo se encontrava o Senhor. Depois do fogo, ouviu-se o murmúrio de uma brisa suave. Ao ouvi-lo, Elias cobriu o rosto com um manto, saiu e pôs-se à entrada da caverna. Disse-lhe, então, uma voz: «Que fazes aqui, Elias?» (1Reis 19,12).

Eis a Palavra: «Vós sois o Sal da terra. Ora, se o Sal se corromper, com que se há-de salgar? Não serve para mais nada, senão para ser lançado fora e ser pisado pelos homens. Vós sois a Luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte; nem se acende a candeia para a colocar debaixo do alqueire, mas sim em cima do candelabro, e assim alumia a todos os que estão em casa. Assim brilhe a vossa Luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu.» (Mt 5,13-16)

Sal. Luz. Lembro-me e olho pela janela, onde encontro um mundo e uma sociedade onde tudo parece cinzento, rotineiro, burocrático, um mundo de funcionários e de técnicos, um mundo de crises e de noticias, de factos, um mundo de contas, um mundo de multidões onde cada um é aquilo que sabe e que faz e onde vivemos em concorrência e corrida desenfreada rumo não se sabe bem onde. Um mundo com muitos açúcares para adoçar estas rotinas, mas sem as mudar – para isso é precisa a força e o incómodo do Sal. Um mundo com muitas luzes artificiais, para não deixar ninguém dormir nem parar, se calhar até para pensar – mas sem uma Luz de sentido.

Pessimista? Talvez, certamente. Olho de novo para o Evangelho e vejo Jesus a dizer isto, logo no seguimento das Bem-Aventuranças, a uma multidão de quem ele próprio dirá, comovido, que são “maltratados e prostrados, como ovelhas sem pastor” (Mt 9,36), uma multidão preocupada “com o que comeremos, o que beberemos, o que vestiremos” (Mt 6,31), não porque não precise de se ocupar do comer, beber e vestir, mas porque se pré-ocupa. Um mundo de Jesus onde “os governantes das nações fazem sentir a sua autoridade sobre elas, e os grandes exercem o seu poder” (Mc 10,42). Não muito diferente, portanto. Nem pior, nem melhor: um mundo noutras circunstâncias, apenas. Onde a Palavra continua a cortar na sua Verdade (Heb 4,12).

E baixo os olhos e escuto de novo esta Palavra, dirigida aos discípulos que a escutam (Mc 4,18) e a executam tornando-os “homens livres e felizes na sua actividade” (cf. Tg 1,25). E peço ao meu Mestre que caminhe comigo neste caminho de discípulo. Que a força e a vida da tua Palavra, energia amorosa, diálogo fecundo do Pai, não volte vazia para ti sem ter realizado a tua vontade e sem ter cumprido a sua missão (Is 55,11). Que a tua Palavra, que és Tu no teu diálogo com os teus discípulos, diálogo de Aliança, diálogo de Amor, diálogo Pessoal com quem Tu escolheste e destinaste a dar fruto (Jo 15,16), que Tu na tua Palavra, Mestre, transfigures e geres a vida como um rebento novo (Is 11,1) nos meus dias tantas vezes cinzentos de rotinas, preocupações, murmúrios e tarefas…
um grande abraço!

1 comentário:

calmeiro matias disse...

Obrigado, Rui Pedro por este texto tão bonito.
é um sinal de alerta eum comvite a mexer nas águas estagnadas.
Obrigado por esta reflaxão quemexe com a nossaconsciência de cristãos!
Calmeiro Matias