segunda-feira, 6 de abril de 2009

Tu és meu Filho...

... E nós estamos aqui para vos anunciar a Boa-Nova
de que a promessa feita a nossos pais,
Deus a cumpriu em nosso benefício, para nós, seus filhos, ressuscitando a Jesus ...

... como está escrito no Salmo segundo: Tu és meu filho, Eu hoje te gerei!
(Act 12,32-33)


Por vezes ainda não é natural para nós assumir a Ressurreição de Jesus, ou a Noticia do Ressuscitado, no centro da nossa Fé e da Salvação que Deus prepara para nós. Na linguagem tradicional, ligada sobretudo à teologia medieval, a Salvação vem ligada à morte de Cristo e aos seus sofrimentos, à sua Paixão; seria por estes que a Salvação nos seria atribuída como méritos recebidos segundo os sacramentos. Não é de admirar que esta concepção se tenha tornado tão popular, da Idade Média até há bem pouco tempo: perante um Cristo muitas vezes distante pela sua divindade, a sua humanidade tornar-se-ia próxima das pessoas através do sofrimento, pois a vida das pessoas, sobretudo das classes mais pobres, era marcada pelo sofrimento (pobreza, doenças, exploração), realidade que marcavam a maioria das populações e ainda marca que nos países em desenvolvimento.

Compreender o passado e o contexto no qual a vivencia e compreensão da Fé surge é o melhor modo de evitar juízos sobre os nossos pais. Em todo o caso, temos as possibilidades hoje de tentarmos aproximar-nos da compreensão que o Novo Testamento faz da Salvação que acontece em Jesus Cristo.

Por outro lado, vemos a Salvação ligada de modo automático à divindade de Cristo, que passou na nossa história ensinando uma doutrina moral e espiritual. Ainda nos perguntamos se verdadeiramente Cristo sofreu na sua paixão e morte ou se o fez apenas por aparência. É claro que esta forma de apresentar estas concepções peca por ser simplista, mas sem um caminho de aprofundamento da Fé acabam por ser modos quase inconscientes de ler a Salvação. Em ambas as concepções, a Ressurreição de Jesus surge quase como o apêndice da história, como o “bónus” que Jesus recebe depois de ter cumprido a sua missão de sofrer e morrer para merecer a Salvação, ou como a revelação natural de um Cristo divino que passou por nós (uma leitura superficial do Evangelho de João pode conduzir a esta ideia).

Ao invés, a Ressurreição de Jesus é o grande centro e a origem da Fé dos discípulos testemunhada pelo Novo Testamento: Se não há ressurreição dos mortos, também Cristo não ressuscitou. Mas se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã é também a vossa fé. E resulta até que acabamos por ser falsas testemunhas de Deus. (1Cor 15,13-15). A Ressurreição é proclamada como a vitória da vida e missão de Jesus sobre a morte: os discípulos que caminharam com Jesus na sua história são agora as testemunhas desse acontecimento:

E nós somos testemunhas do que Ele fez no país dos judeus e em Jerusalém. A Ele, que mataram, suspendendo-o de um madeiro, Deus ressuscitou-o, ao terceiro dia, e permitiu-lhe manifestar-se, não a todo o povo, mas às testemunhas anteriormente designadas por Deus, a nós que comemos e bebemos com Ele, depois da sua ressurreição dos mortos. E mandou-nos pregar ao povo e confirmar que Ele é que foi constituído, por Deus, juiz dos vivos e dos mortos. É dele que todos os profetas dão testemunho: quem acredita nele recebe, pelo seu nome, a remissão dos pecados. (Act 10, 39-43)

Para anunciar esta Boa-Noticia os discípulos, judeus, usam a linguagem da realeza própria do seu povo: Jesus é Ungido e constituído Senhor e Messias na sua Ressurreição, recebe o poder e a glória de Deus; todos nos voltamos para Ele, é o centro do Projecto Salvador de Deus:
Foi este Jesus que Deus ressuscitou, e disto nós somos testemunhas.
Tendo sido elevado pelo poder de Deus, recebeu do Pai o Espírito Santo prometido
e derramou-o como vedes e ouvis.
(Act 2,32-33)
Na verdade, o centro, o segredo desta Ressurreição está na relação de Jesus com Deus, relação íntima, especial, vital: filial. A Ressurreição é esta relação gerada na sua plenitude pela entrega da vida que Jesus faz na sua morte: o Pai recebe-a e gera-a na Plenitude da sua Vida, como Vida Familiar:
E nós estamos aqui para vos anunciar a Boa-Nova de que a promessa feita a nossos pais,
Deus a cumpriu em nosso benefício, para nós, seus filhos, ressuscitando Jesus,
como está escrito no Salmo segundo: Tu és meu filho, Eu hoje te gerei!
(Act 12,32-33)

Foi esta Relação Filial que constituiu toda a vida de Jesus: a sua história, construída em consciência e liberdade na relação com Deus, foi uma história de personalização filial – como o é a nossa, n’Ele e com Ele. A palavra Abbá, guardada pelos discípulos como um tesouro recebido, é a fonte que percorre toda a vida de Jesus. A sua vida é selada numa missão filial, de acolhimento e obediência; a Ressurreição é o nascimento pleno, a geração plena dessa vida filial:
Apesar de ser Filho de Deus, aprendeu a obediência por aquilo que sofreu
e, tornado perfeito (pleno, Ressuscitado), tornou-se para todos os que lhe obedecem
fonte de salvação eterna.
(Heb 5,8)

Esta vida filial de Jesus, reconhecida pelos discípulos na Experiencia Pascal, é imediatamente lida como Boa-Noticia de Salvação: porque o Primogénito partilha a sua filiação pelos seus irmãos, Ele é o Filho, o Salvador gerado numa relação filial por Deus para nós, segundo o seu Projecto:
Predestinou-nos para sermos adoptados como seus filhos.
Manifestou-nos o mistério da sua vontade, e o plano generoso que tinha estabelecido,
para conduzir os tempos à sua plenitude: submeter tudo a Cristo,
reunindo nele o que há no céu e na terra por meio de Jesus Cristo,
de acordo com o beneplácito da sua vontade.
(Ef 1,5.9)
Não podia ser de outro modo, uma vez que o Ressuscitado construiu a sua história entre nós, como irmão e servo:
Convinha, com efeito, que aquele por quem e para quem existem todas as coisas, querendo levar muitos filhos à glória, levasse à perfeição, por meio dos sofrimentos, o autor da sua salvação. De facto, tanto o que santifica, como os que são santificados, provêm todos de um só; razão pela qual não se envergonha de lhes chamar irmãos, dizendo: Anunciarei o teu nome aos meus irmãos, no meio da assembleia te louvarei; e ainda: Eu porei nele a minha confiança; e de novo: Eis-me, a mim e aos filhos que Deus me deu. (Heb 2,10-13)
Deste modo, o Acontecimento e Presença do Ressuscitado é celebrado nas comunidades como Salvação, pertença a uma Relação Familiar e Filial com Deus:
De facto, todos os que se deixam guiar pelo Espírito, esses é que são filhos de Deus.
Vós não recebestes um Espírito que vos escravize e volte a encher-vos de medo;
mas recebestes um Espírito que faz de vós filhos adoptivos. É por Ele que clamamos:
Abbá, ó Pai! Esse mesmo Espírito dá testemunho ao nosso espírito
de que somos filhos de Deus.
Ora, se somos filhos de Deus, somos também herdeiros:
herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo, pressupondo que com Ele sofremos,
para também com Ele sermos glorificados.
(Rom 8,14-17)
Em verdade, o segredo de todo este Mistério Pascal, Mistério Filial e Familiar de Jesus e de todos nós, é uma Pessoa. N’Ela todo o Projecto de Salvação e a caminhada de Fé ganham o seu sentido pessoal e dinâmico, em vez das lógicas jurídicas e automáticas. Ele é, de facto, o Amor de Deus derramado nos nossos corações (Rom 5,5), que ungiu e consagrou a Jesus na sua vida e história filiais (Mc 1,10-11), e que como poder criador de Deus ressuscitou a Jesus e a todos n’Ele: o Espírito Santo.
E se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos habita em vós,
Ele, que ressuscitou Cristo de entre os mortos,
também dará vida aos vossos corpos mortais, por meio do seu Espírito que habita em vós.
(Rom 8,11)
Mas fica para a próxima vez, pode ser? Para procurarmos descobrir juntos com Ele a sua presença neste Mistério pascal. Boa Semana!

2 comentários:

Sol da manhã disse...

Pode!


«E nós estamos aqui para vos anunciar a Boa-Nova de que a promessa feita a nossos pais,
Deus a cumpriu em nosso benefício, para nós, seus filhos, ressuscitando Jesus,
como está escrito no Salmo segundo: Tu és meu filho, Eu hoje te gerei!»(Act 12,32-33)


Deus é Fiel à sua Aliança, ao seu projecto... Eis que começa o primeiro dia da semana!


Muito Obrigada.

calmeiro matias disse...

Rui Pedro:
Parabéns por teres sabido enquadrar tão bem o mistério da ressurreição de Jesus Cristo no plano messiânico de Deus!
Calmeiro Matias