terça-feira, 28 de julho de 2009

Afonso de Ligório: I. A Boa-Notícia do Amor


No próximo sábado 1 de Agosto celebramos a festa de Afonso de Ligório, já aqui conhecido como o fundador da Congregação do Santíssimo Redentor (CSsR). Para quem quiser conhecer um pouco a sua história pode ver no blog Redentoristas. Por aqui vamos dedicar os próximos dias a conhecer um pouco o anúncio de Afonso, o jeito com que proclama o Evangelho de Jesus e a Espiritualidade que propõe no seu Seguimento. São textos um pouco longos, com algumas citações de Afonso a quem devemos ler com a linguagem própria do seu tempo. Boa caminhada!


«Quem considera o amor imenso que nos demonstrou Jesus Cristo na sua vida e especialmente na sua morte, em sofrer tantas penas para a nossa salvação, não é possível que não reste ferido e inspirado a amar um Deus assim enamorado pelas nossas almas» (Saette di Fuoco, n°1). Não há dúvida de que a alimentar uma vida assim intensa e uma vontade tão radical de ser fiel como a de Afonso, estava uma experiencia enorme do Amor de Deus revelado em Cristo. Afonso torna seu o Evangelho, a Boa-Nova, preocupa-se em anunciá-la e dedica a sua vida em levar os seus irmãos a corresponder a este Amor. «Porque o Amor de Cristo nos constringe, ao pensarmos que, se um morreu por todos, todos morreram. E morreu por todos, para que os que vivem não vivam para si, mas para quem por eles morreu e ressuscitou» (2Cor 5, 14).

Precisamente na mais conhecida obra de Afonso, a Prática de Amar a Jesus Cristo, antes de desenvolver as pistas para viver o amor segundo o hino de Paulo de 1Cor 13, Afonso apresenta os “dons”, os “laços de Amor” com que Deus “prende” os homens, e descobre-os na História da Salvação de Deus com a Humanidade: a Criação, a Encarnação, a Paixão e Redenção, e a Eucaristia.

Criação: «Depois de ter dotado o Homem de alma com as potencias feitas à sua imagem: memória, entendimento e vontade; e de corpo com os seus sentidos, criou para ele o céu e a terra, e tantas outras coisas, todas por amor do Homem: os céus, as fontes, as montanhas, as planícies, os metais, os frutos e tantas espécies de animais, a fim de servirem o Homem, e o Homem o amar a Ele em agradecimento de tantos dons» (Prática de Amar a Jesus Cristo). Para Afonso, a contemplação dos dons da Natureza torna-se oração de agradecimento a Deus-Pai, que ama o Homem de modo tão sublime!

Encarnação: Mas Deus não estava contente, segundo Afonso: «Para conquistar todo o nosso amor, a tudo acrescentou o dar-se a sim mesmo todo a nós. Sim, o eterno Pai chegou ao extremo de nos dar o seu próprio e único Filho» (Ibid). É em Jesus Cristo que Deus revela todo o Seu Amor, o “excessivo Amor” pelos homens, pois «juntamente com o Filho deu-nos todos os bens, a Sua Graça, o Seu Amor e o Paraíso» (Ibid). «Aquele que não poupou o seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como não nos vai dar de presente todo o resto com Ele?» (Rom 8, 32).

Redenção: A Encarnação acontece para a Salvação da Humanidade. Afonso, homem do seu tempo, lê a Redenção na morte expiatória na Cruz. O interessante é que, para Afonso, a Cruz tem um significado maior: «Mas porque é que, podendo Ele remir-nos sem sofrer, quis escolher a morte, e morte de Cruz? Para nos mostrar o Amor que nos tinha» (Prática). É aí que Afonso lê e recolhe a sua espiritualidade: a Cruz, mais do que uma morte horrenda exigida por um deus-tirano, torna-se a manifestação voluntária de todo o Amor de Cristo por nós. «Não era tanto o que Jesus sofrera, quanto o Amor que nos mostrara nos seus sofrimentos por nós, o que nos obriga e quase nos força a amá-lo» (Prática). «Isto é o mesmo que acreditar num Deus enlouquecido por amor dos homens» (Consideraçoes sobre o Estado Religioso, n°10). «Sabendo que Jesus, verdadeiro Deus, nos amou até sofrer por nós a morte e morte de Cruz, não é ter os nossos corações sob uma prensa, e senti-la apertar com força, e espremer o amor com uma violência que é tanto mais forte quanto mais é amável?» (Saette di Fuoco, n°27)

Por isso, diante das rígidas correntes morais e ascéticas do seu tempo, Afonso centra o seu anuncio no Amor de Cristo que se entrega até ao fim, até à Cruz, na fidelidade ao Projecto Salvador do Pai. Amor esse que é revelação da plenitude de misericórdia e salvação que encontramos no Pai, escolhendo Afonso para o lema da sua Congregação o Salmo 130: «Nele é abundante a Redenção». E um Pai é quem Afonso apresentará aos seus sobrinhos, quando o seu irmão Hércules morre: «Assentai no coração o temor de Deus como o vosso Senhor; mas, ainda mais, esforçai-vos em amá-lo como Pai: Pai, nome dulcíssimo. Sim, é deveras vosso Pai: amai-o portanto com ternura. É Pai bondoso, doce, amoroso, terno, benéfico, misericordioso, outros tantos títulos pelos quais deveis querê-lo com afecto cordial, terno, agradecido».

Eucaristia: Aqui Afonso exalta a Aliança que Cristo inaugura com a Humanidade, celebrada na Ceia Pascal e continuada na Eucaristia. A Eucaristia representa, para Afonso, a comunhão pessoal que o Ressuscitado procura criar com cada crente, a fim de o conduzir ao amor e à perfeição. É bonito ver que, numa época de grande escrupulosidade e rigidez moral, Afonso defenda a comunhão frequente; isto porque a considera um meio para caminhar no amor a Jesus Cristo, e não um fim a que se deve estar perfeitamente preparado. Citando S. Francisco de Sales, declara: «Duas classes de pessoas devem comungar com frequência: os perfeitos para se conservarem na perfeição, e os imperfeitos para chegarem à perfeição» (Prática).

Por estes 4 marcos Afonso celebra e proclama a Boa-Nova de um Deus que é Amor e que constrói uma história de Amor com os homens. História que é mais forte que todo o pecado e toda a infidelidade do Homem. Deste Amor revelado e demonstrado, nascem três sentimentos, três atitudes que animam todo o caminho de santidade, de resposta de Amor a Cristo:

Confiança: nas provas de Amor, de entrega e fidelidade que Deus demonstrou em Cristo; numa época muito maracada pelo medo quanto à da salvação pessoal, ao juizo e à morte Afonso declara: «Procederei com confiança, esperando com firmeza que nada do que for necessário para a salvação me há-de ser negado por Aquele que tanto fez e sofreu pela minha salvação» (Prática). «No Amor não há lugar para o temor; ao contrário, o amor desaloja o temor. Pois o temor se refere ao castigo, e quem teme não alcançou um amor perfeito. Nós amamos porque Ele nos amou primeiro» (1Jo 4, 18-19).

Esperança: é muito interessante que Afonso, centrando o objecto da esperança na vida eterna, a une à caridade, convertendo-a num compromisso de vida: «O objecto primário da esperança crista é Deus, como d’Ele gozam as almas no Reino da Bem-Aventurança. Mas não julguemos que a esperança de gozar de Deus no Paraíso seja obstáculo à caridade, pois que a esperança está inseparavelmente unida à caridade, que no paraíso se aperfeiçoa e encontra o seu complemento» (Prática). Num tempo de grande incerteza, com a divulgação da ideia de uma salvação restrita e selecta apenas para alguns “perfeitos”, Afonso anuncia a universalidade da salvação: “Ele deseja que todos se salvem e ninguém se perca, como muito claramente ensinaram S. Paulo e S. Pedro: Deus quer que todos os homens sejam salvos (1Tm 2, 4); O Senhor usa de paciência para convosco, pois não quer que ninguém pereça, mas que todos se convertam (2Pe 3, 9)”.

Gratidão: “Jesus Cristo, como Deus, merece por si só de nós todo o Amor. Mas Ele, com o Amor que nos manifestou, quis pôr-nos, por assim dizer, na necessidade de O amar, pelo menos por gratidão, por quanto fez e padeceu por nós. Ele amou-nos muito para ser por nós muito amado” (Prática). A gratidão é uma palavra-chave na espiritualidade de Afonso. É ela que confere o rosto alegre da sua benignidade pastoral e moral. É ela que impede que a sua proposta ascética não seja um sistema ético de aperfeiçoamento pessoal pelas virtudes, mas se funde numa relação de Amor com Cristo. Porque todas as opções e atitudes do crente se tornam respostas de amor, consequências do amor demonstrado, procura de agradar a este Deus que nos ama tanto. “Não podemos duvidar que Deus nos ama e nos ama verdadeiramente; e porque nos ama tanto, Ele deseja que nós O amemos de todo o coração” (Dell’Amore Divino, n°3).

Estas três atitudes, confiança, esperança e gratidão, que brotam da escuta da Palavra e da experiencia de um Amor tão grande, são o fundamento da espiritualidade de Afonso. São todo o contrário do temor, do perfeccionismo egoísta que se torna farisaísmo. São as atitudes que Jesus convida os seus discípulos a ter diante do Pai: Não fiqueis perturbados: crede em Deus e crede em mim (Jo 14, 1).
Um grande abraço!

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