sábado, 25 de julho de 2009

Eucaristia



Quando por vezes se reflecte sobre o mistério da Eucaristia como sacramento, as perguntas tendem a dirigir-se logo à questão da presença de Cristo, os sinais do pão e do vinho, a realidade do corpo e do sangue, etc. Andamos às voltas do como? e do de que modo?, e as palavras de Jesus, transmitidas (Tradição) por Paulo, Marcos, Mateus e Lucas, tornam-se motivo de confusão. Esta é a tradição mais antiga que possuímos, no Novo Testamento, sobre a Eucaristia ou a «Ceia do Senhor» (1Cor 11,20):

«Com efeito, eu recebi do Senhor o que também vos transmiti: o Senhor Jesus na noite em que era entregue, tomou pão e, tendo dado graças, partiu-o e disse: «Isto é o meu corpo, que é para vós; fazei isto em memória de mim». Do mesmo modo, depois da ceia, tomou o cálice e disse: «Este cálice é a nova Aliança no meu sangue; fazei isto sempre que o beberdes, em memória de mim.» Porque, todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha» (1Cor 11,23-26).

O que me chama a atenção é que também Paulo e os primeiros cristãos reflectem sobre a verdade da Presença do Ressuscitado junto dos seus discípulos na celebração desses discípulos que é a Eucaristia. É uma Presença Corporal no sentido bíblico da noção de Corpo: o Corpo é o ser humano todo, na sua integridade, enquanto ser histórico de relações e mediação de encontro. O Pão re-partido é sinal da Vida doada de Jesus, como serviço e entrega que, na sua Páscoa, se torna Vida de Salvação; a Páscoa é o mistério da plena fecundidade dessa Vida Entregue, da fidelidade absoluta do Pai que, na entrega do Filho, o assume tornando-o Corpo, Espaço de Comunhão e Salvação na qual toda a Humanidade é assumida. A Páscoa é o próprio Mistério de Jesus como o Filho no qual nós pertencemos e somos abraçados, no Espírito que em nós clama Abbá (Gal 4,4-6).

Por exemplo, Paulo retira daqui uma consequência fundamental: se a Eucaristia que os discípulos celebram é a Presença real e verdadeira do Ressuscitado, então a Igreja dos Discípulos torna-se o Corpo do Ressuscitado. «O cálice de bênção, que abençoamos, não é comunhão com o sangue de Cristo? O pão que partimos não é comunhão com o corpo de Cristo? Uma vez que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo, porque todos participamos desse único pão» (1Cor 10,16-17). A verdade da Presença do Ressuscitado como Comunhão e Encontro é esta: a Igreja é abraçada na sua Páscoa, na sua Vida Entregue, e torna-se pertença do Ressuscitado presente no Mundo assumindo-o na sua Salvação.

Outro exemplo é o caso de Inácio de Antioquia, bispo e mártir do início do I século. Na sua carta aos cristãos de Esmirna (VII,1), a reflexão sobre a Presença do Ressuscitado é fundamental para proclamar a verdade da Encarnação: o Ressuscitado assumiu a nossa Humanidade, é o mistério da sua Pessoa como Filho que se torna a Salvação para nós, num mistério de Comunhão Familiar. É a sua Humanidade, o seu Encontro connosco no seu Corpo, na sua Vida que celebramos.

Podiamos ainda citar o caso de Ireneu de Lyon, bispo do século II, para quem a Presença Corporal do Ressuscitado é sinal da nossa Ressurreição n’Ele, Ressurreição Corporal: a nossa vida é assumida na sua integridade, é a nossa história, a nossa identidade, as nossas relações que são assumidas e plenificadas numa vida transformada pelo Espírito Santo, em Comunhão com o Filho. Nessa linha já ia Paulo no seu discurso em 1Cor 15, 35-55.

Já estamos longe, portanto, de andar às voltas da biologia e das substâncias no pão e no vinho. A linguagem do Corpo e do Sangue, lidas à luz da Páscoa, tornam-se proclamação da Vida e Presença do Ressuscitado que se torna, para nós, a Páscoa da Salvação: é em comunhão n’Ele, como Ele (Corpo) na sua Vida que nos dá a Vida numa Aliança Nova e Plena (Sangue), no mistério da acção do Espírito Santo, que a nossa vida é transformada e assumida como filhos. A Eucaristia é a celebração e proclamação desta Páscoa da Salvação.
um grande abraço!

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