quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Dietrich Bonhoeffer

Olá! Os textos que hoje partilho são de um autor certamente já conhecido de alguns, Dietrich Bonhoeffer. Pastor da Igreja Confessante Alemã, participou na resistência ao regime de Hitler, tendo sido preso em 1943 e executado a 9 de Abril de 1945. São textos retirados das cartas que escreveu da prisão, à sua noiva, pais e amigos próximos, nas oportunidades que tinha. Pessoalmente não conheço muito da sua vida, apenas algumas cartas e um outro livro; mas parece-me que é mais que merecido partilhá-lo aqui. Um grande abraço!



«Quem sou eu? Dizem-me muitas vezes
Que saio da minha cela, sereno, risonho e seguro,
Como um nobre no seu palácio.

Quem sou eu? Dizem-me muitas vezes
Quando falo com os meus carcereiros livre, amistosa e francamente,
Como se mandasse eu.

Quem sou eu? Dizem-me também
Que suporto os dias de infortúnio
Com impassibilidade, sorriso e orgulho,
Como alguém acostumado a vencer.

Sou realmente o que os outros dizem de mim?
Ou só sou o que eu mesmo sei de mim?
Intranquilo, ansioso e doente,
Como um pássaro enjaulado respirando com dificuldade a vida,
Como se me oprimissem a garganta,
Faminto de cores, de flores, de cantos de aves,
Sedento de boas palavras e de proximidade humana,
Tremendo de cólera diante da arbitrariedade,
Agitado pela espera de grandes coisas,
Impotente e temeroso pelos amigos na infinita distancia,
Cansado e vazio para orar, pensar e criar,
Esgotado e disposto a despedir-me de tudo?

Quem sou eu? Este ou aquele? Serei hoje este, amanhã outro?
Serei os dois de cada vez? Diante dos homens um hipócrita
E diante de mim mesmo um desprezível e queixoso débil?
Ou talvez o que ainda resta de mim se assemelha
A um exército derrotado que se retira em desordem
Sem a vitória que considerava segura?
Quem sou eu? As perguntas solitárias se riem de mim.

Seja quem for, Tu me conheces, sou teu oh Deus!»


«Oh Deus Trino e Uno! Meu Criador e Salvador,
A ti pertence este dia, o meu tempo se encontra nas tuas mãos.
Deus Santo e Misericordioso, Criador e Salvador meu, meu Juiz e Redentor!
Tu me conheces e conheces todos os meus caminhos e acções.
Te aborreces e castigas o mal neste mundo e no futuro,
Sem fazer acepção de pessoas.
Tu perdoas os pecados a quem to pede de coração,
E amas o bem e o recompensas nesta vida com o consolo de uma boa consciência
E no mundo futuro com a coroa da justiça.

Na tua presença recordo-me de todos os meus,
Dos meus companheiros de cativeiro
E de todos os que nesta casa realizam um serviço penoso.
Senhor, compadece-te de mim!
Devolve-me a liberdade e faz que eu viva
De maneira responsável diante de ti e diante dos homens!
Senhor, por qualquer coisa que este dia me traga, seja o teu Nome louvado!

Espírito Santo, concede-me a fé
Que me salve do desespero e do vício.
Concede-me o Amor aos Deus e aos homens;
Um Amor que extinga todo o ódio e a amargura.
Concede-me a esperança que me liberte do temor e do desalento.
Ensina-me a amar a Jesus Cristo e a cumprir a sua vontade
Na prisão, Bonhoeffer ganhou a confiança e estima dos companheiros de prisão mas também de alguns guardas. Nas cartas refere que o procuravam para desabafar. Distribuiu textos de oração pelos companheiros, como esta. E escolhido como padrinho de baptismo de uma sobrinha, sem poder estar presente, escreveu uma carta; o texto seguinte é retirado de lá.

«Hoje receberás o baptismo que te converterá em cristã. Serão pronunciadas sobre ti as grandes palavras da mensagem cristã e em ti se cumprirá o mandato do baptismo estabelecido por Cristo, sem que tu compreendas. Mas também nós próprios fomos lançados no início da compreensão.

As noções de reconciliação e redenção, de novo nascimento e Espírito Santo, de amor aos nossos inimigos, de crucifixão e ressurreição, da vida em Cristo e do seguimento de Cristo, tornaram-se tão difíceis e tão distantes que mal nos atrevemos a falar delas. Pressentimos um alento novo e revolucionário nas palavras e acções tradicionais, mas ainda não podemos concebe-lo nem expressá-lo.

É por nossa própria culpa. A nossa Igreja, que durante estes anos lutou apenas pela sua subsistência, como se esta fosse uma finalidade absoluta, é incapaz de erigir-se agora em portadora da Palavra que há-de reconciliar e redimir aos homens e ao mundo. Por esta razão, as palavras antigas haverão de murchar e emudecer, e a nossa existência de cristãos só terá, na actualidade, dois aspectos: orar e fazer justiça entre os homens. Todo o pensamento, todas as palavras e toda a organização no campo do cristianismo há-de renascer partindo desta oração e desta actuação cristã.

Quando alcances a idade adulta, o rosto da Igreja terá mudado muito. Não terá terminado ainda a sua refundação, e cada ensaio de dotá-la prematuramente de um poder organizador acrescido não logrará senão atrasar a sua conversão e purificação. Não nos toca a nós predizer o dia – mas este virá – em que de novo haverá pessoas chamadas a pronunciar a Palavra de Deus de tal modo que o mundo será transformado e renovado por ela.

Será uma linguagem nova, quiçá totalmente areligiosa, mas libertadora e redentora como a linguagem de Cristo; os homens se espantarão dela, mas por sua vez serão vencidos pelo seu poder. Será uma linguagem de nova justiça e de uma verdade nova, a linguagem que anunciará a paz do Senhor com o género humano e a proximidade do seu Reino. «E se assombrarão e admirarão de tanto bem e de tanta paz como eu lhes darei» (Jer 33,9). Até então a actividade dos cristãos será oculta e calada, mas haverá pessoas que farão oração, actuarão com justiça e esperarão o tempo de Deus.»
P. S.: poderão conhecê-lo melhor nestes sites: http://www.sociedadebonhoeffer.org.br/

1 comentário:

Sol da manhã disse...

Que belo! Não consegui não deixar de sorrir. Que belo!

Obrigada por teres partilhado.
Um grande abraço.