terça-feira, 25 de agosto de 2009

II. Jesus, o Ungido


Quando temos esquecido o papel e presença do Espírito Santo, tendemos a cair numa linguagem abstracta sobre Jesus de Nazaré: ele é um Homem-Deus, a divindade e humanidade estão misturadas de uma maneira que não dá bem para perceber; quando o proclamamos como Filho de Deus, vem à cabeça a ideia de um ser divino que “vem” ou “cai” à terra durante 33 anos, ter passado entre nós para ensinar umas verdades sobre Deus e uns ensinamentos morais, para regressar no fim onde estava.

Os milagres e curas tornam-se actos de magia que ele pratica para mostrar a sua divindade, e chega-se ao extremo de duvidar se Jesus, por ser um ser divino, terá sofrido de verdade, ao longo da sua história e sobretudo na sua morte. É claro que estou a exagerar nesta linguagem, mas é fácil reconhecer a dificuldade com que vemos o mistério de Jesus.

O Novo Testamento, na sua linguagem bíblica, é dinâmico e claro no modo como apresenta a pessoa de Jesus. Apesar de o proclamarem já à luz da experiencia pascal, não colocam em causa nem por um momento a sua humanidade: Jesus como homem, pessoa humana, “nascido de mulher, nascido sob o domínio da lei” (Gal 4,4), “nascido da linhagem de David segundo a carne” (Rom 1,3).

Quando os habitantes de Nazaré se questionam sobre Jesus, estão a dizer uma verdade essencial sobre ele: «De onde lhe vem esta sabedoria e o poder de fazer milagres? Não é Ele o filho do carpinteiro? Não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? Suas irmãs não estão todas entre nós? De onde lhe vem, pois, tudo isto?» E estavam escandalizados por causa dele» (Mt 13,54-56). O problema é que, para eles, a origem histórica e concreta de Jesus torna-se um “escândalo” para reconhecerem nele a presença e acção de Deus; e por vezes esse escândalo também é nosso, hoje, no sentido inverso: para reconhecermos, por causa da “doutrina”, a divindade de Jesus, esquecemo-nos da sua origem de Nazaré, filho de Maria e do carpinteiro José; ou, o que é pior, falamos dessas origens históricas como de “um faz de conta”, uma espécie de “traje de teatro” que o Filho de Deus utilizaria para “andar” connosco!

Por vezes nos Evangelhos encontramos expressões que secundarizam as origens familiares e culturais de Jesus: «Estão lá fora a tua mãe e os teus irmãos que te procuram.» Ele respondeu: «Quem são minha mãe e meus irmãos?» E, percorrendo com o olhar os que estavam sentados à volta dele, disse: «Aí estão minha mãe e meus irmãos. Aquele que fizer a vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe» (Mc 3,32-35). A sua preocupação é afirmar que os laços do Reino ultrapassam os laços de clãs, tribos, famílias, grupos ou classes sociais ou religiosas, para reunir numa Família, uma Humanidade de amor universal e fraterno: «Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus» (Gal 3,28).

Assim, são bem históricos e humanos os laços que Jesus foi construindo, os homens e mulheres com quem caminhou nas estradas da Galileia e Judeia: foram tão fortes e reais esses laços e relações, testemunhados nos Evangelhos, que estarão nas origens da Experiencia Pascal dos discípulos: Simão, João, Maria Madalena, Tiago, etc … (Jo 20-21; 1Cor 15, 5-7).

A linha de pensamento que guia o Novo Testamento é o da Unção e Consagração pelo Espírito Santo. Como vimos no Antigo Testamento, a acção do Espírito de Deus, a Ruah YHWH, exprime a presença e acção do Deus Vivo na história do seu Povo e de toda a Criação. Se o Antigo Testamento proclama a certas personagens como Ungidos de Deus, por outro lado nunca deixa de realçar a humanidade dessas personagens: lembremo-nos que Samuel “repara nas aparências e na grande estatura” ao querer ungir como reis aos irmãos de David (1Sam 16,7); ou de David que, pelo amor de Betsabeia, envia o seu legitimo marido Urias para morrer na frente de batalha (2Sam 11), ou até do próprio Moisés que, quando escolhido por Deus, era um foragido pelo homicídio de um egípcio e que, mesmo no deserto, também arcará com a culpa de todo o povo pela idolatria (Num 27,12-14)…
O Novo Testamento reconhece que, nesta história de Unção e Consagração, Jesus é o plenamente fiel, o verdadeiro Ungido, aquele em quem o rosto e a presença de Deus se tornam perfeitos. No entanto, a linguagem da Unção pelo Espírito permanece na sua verdade fundamental: é através da Humanidade concreta, de homens e mulheres no seu contexto e com a sua história, que Deus actua e se revela na história do seu Povo, e acolher esses homens e mulheres é um acto de fé.

Deste modo torna-se belo ver como Deus, através do seu Espírito Santo, vai consagrando a homens e mulheres nas suas acções e opções, relações e contextos. É no seu Espírito de Santidade que o homem Jesus de Nazaré foi crescendo no seu mistério de tornar-se pessoa: «E Jesus crescia em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens» (Lc 2,52). E é mais belo ainda como o tornar-se, o emergir como pessoa humana, em Jesus, é exactamente o tornar-se, o emergir como Filho de Deus: como amado, gerado e consagrado no Amor do Pai, no seu Espírito pelo qual Ele, e nós, clamamos Abbá! (Rom 8,15). Desde o seu nascimento que é o Santo e Filho de Deus (Lc 1,35), será proclamado no Baptismo no Jordão (Lc 3,22), reconhecido no centro do seu ministério, no caminho para Jerusalém (Lc 9,35), um mistério pessoal que só se revela plenamente na Ressurreição (Rom 1,4) …

E nas suas acções e opções, nas suas relações, nos homens e mulheres que marcou, nos gestos libertadores que teve e possibilitou, ele tornou-se a revelação plena na “carne”, na linguagem, história e densidade humanos, do Filho de Deus-Pai (Jo 1,14). É este esquema de Jesus como o Filho, o Ungido e Amado que emerge na sua humanidade pela íntima acção do Espírito de Deus, que nos oferece a Carta aos Hebreus:

«Nos dias da sua vida terrena, apresentou orações e súplicas àquele que o podia salvar da morte, com grande clamor e lágrimas, e foi atendido por causa da sua piedade. Apesar de ser Filho de Deus, aprendeu a obediência por aquilo que sofreu e, tornado perfeito (Ressuscitado), tornou-se para todos os que lhe obedecem fonte de salvação eterna» (Heb 5,7-9).

1 comentário:

calmeiro matias disse...

Rui Pedro
Obrigado Pela maneira bonita e equilibrada como aoresentaste Jesus neste texto.
Um abraço
Calmeiro Matias