domingo, 12 de junho de 2011

É Urgente Mudar de Modelo


O texto seguinte foi publicado a 29 de Outubro de 2009 pelo Ministério das Relações Externas da Bolívia, como proposta de leitura e revisão para as comunidades daquele país. Partilho-o na linha da reflexão sobre esta Crise que tanto sentimos e ouvimos falar. Um grande abraço!



«Como consequência da cultura de dominação sobre a natureza, a nossa Mãe Terra, a nossa Pachama (da língua quícha, Pacha significa Universo, Mundo, e Ma de mãe; é a divindade máxima nas culturas dos Andes), está doente, ferida de morte. O planeta está a aquecer e o clima a mudar. O aumento exponencial do aquecimento global está a provocar mudanças extraordinárias no clima. Os transtornos do fenómeno do El Niño e da Niña, secas, inundações, ondas de calor, furacões e tornados são cada vez mais fortes e mais frequentes. Apresentam-se condições climáticas extremas que nunca vimos antes, aumentando as chuvas em algumas regiões e ocasionando secas severas em outras, tendo efeitos negativos na agricultura, silvicultura e pesca em todas as regiões. As inundações no oriente da Bolívia nos últimos anos são um resultado directo deste fenómeno.

Estamos a viver uma mudança climatérica sem precedentes provocada directa e unicamente pelo ser humano. Há provas irrefutáveis de que a actividade humana é a principal responsável pelo aquecimento observado desde 1950, particularmente pelos padrões de consumo da «civilização» ocidental desde a época industrial. Estima-se que no ano 1751 as emissões de CO2 provenientes da combustão de combustíveis fósseis fossem de 3 milhões de toneladas. No ano 2006, emitiram-se para a atmosfera 8.379 milhões de toneladas.

A concentração na atmosfera de gases que provocam o efeito de estufa aumentou substancialmente desde o começo da revolução industrial (uns 37% em 200 anos). A concentração pré-industrial era de 280ppm (partes por milhão) enquanto em 2008 foi de 390 ppm, e se não deixamos de emitir estes gases, vai a caminho das 600 durante este século XXI, enquanto no último milhão de anos, até 1960, a concentração de CO2 na atmosfera nunca superou as 310ppm. As 600ppm não se alcançaram no planeta desde há 18 milhões de anos, enquanto a variação de CO2 não superou aproximadamente 10% no planeta durante os últimos 10.000 anos.

Se passarmos de um incremento de 2ºC sobre a temperatura média pré-industrial, os danos serão muito severos. Em 2004 já tínhamos aumentado a temperatura 0,8ºC. A temperatura depende da concentração de CO2. Se superamos os 400ppm (em 2016 ao ritmo actual), alcançaremos inevitavelmente os 2ºC antes de 2050.

Mas, a precária situação do planeta na actualidade não é culpa dos 80% da população mundial, que vivemos em condições de pobreza, senão que é causada directa e principalmente pelos modelos de desenvolvimento e consumo irresponsável desde a época industrial da chamada civilização ocidental. A sede de ganância sem limites, a busca de luxo, ostentação e do supérfluo do 20% mais enriquecido da população, enquanto milhões morrem de fome no mundo, fez-nos a todos depender totalmente do consumo excessivo dos recursos do planeta, convertendo a tudo em mercadoria e expondo-o à sobre-exploração tanto dos bosques, a flora e fauna, a água, a terra, o genoma humano e a própria vida como os minerais e os combustíveis fósseis (carvão, gás e petróleo), que são os maiores provocadores das emissões globais de Gases de Efeito de Estufa. Desde 1860, a Europa e a América do Norte contribuíram com 70% das emissões de CO2. Os países empobrecidos, uns 25%.

As causas desta Crise Global, que sentimos cada dia com maior força, encontram-se nos modelos dominantes de desenvolvimento capitalistas e socialistas que deram a prioridade a um rápido crescimento económico e procuraram uma acumulação colectiva e individual de riqueza, tudo para responder a um consumismo desenfreado e insaciável, que requer uma exploração cada vez mais irresponsável dos recursos naturais.

Impulsionados pela civilização ocidental e agora empregues tanto a nível mundial como local, estes modelos de exagerada e ilimitada industrialização não são solução para a Humanidade e são impossíveis de ser generalizados ao conjunto da população mundial, porque aumentam a crise ecológica e ameaçam a sobrevivência dos seres vivos e a subsistência do planeta ao não permitir aos recursos naturais renovarem-se ao ritmo a que são consumidos.

Ainda sendo eles os principais responsáveis desta Crise Global, os modelos de desenvolvimento seguem como antes com o crescimento ilimitado, aplicando as receitas de mercado para gerar cada vez mais rendimentos e consumo irracional. As empresas transnacionais e os interesses do capital financeiro internacional não param a sua expansão contra ventos e marés até ao último canto do planeta. Seguem com a exploração cada vez mais irracional e irresponsável dos cada vez mais escassos recursos naturais do planeta e até procuram fazer negócios com as próprias enfermidades que estes modelos produzem.

Ao continuar a avançar, esta crise pode converter-se numa ameaça à paz mundial quando as nações-estado entrarem em caminhos sangrentos por todo o planeta pela sobrevivência e controlo sobre o cada vez menor acesso ao petróleo e ao gás natural, água doce, minerais chave, bosques e terras para alimentos, entre outros recursos, desencadeando guerras como as do petróleo e gás no Iraque, Afeganistão, Sudão e Geórgia.

Neste panorama, já não é suficiente lutar por libertar as nações empobrecidas da opressão e exploração dos países enriquecidos, por libertar ao Sul do Norte, lutar pela independência e a soberania nacional frente ao imperialismo. O problema principal já não é a «pobreza» do Sul, o problema é a mal entendida «riqueza» do Norte, um consumo crescente e excessivo para o qual já não basta apenas um planeta; o empobrecimento do Sul e o enriquecimento do Norte avançam paralelamente à destruição do planeta.

Já não vale sugerir o socialismo frente ao capitalismo ou neoliberalismo, sugerir o desenvolvimento sustentável frente ao decrescimento, sugerir a harmonia Homem-Natureza frente à cultura da dominação da natureza, sugerir a Cultura da Vida frente aos modelos de desenvolvimento capitalistas e socialistas.

Já não podemos escolher de maneira voluntária entre duas opções, duas forças equivalentes que lutam num contexto estático, escolhendo a alternativa que melhor nos sirva. Já não podemos ficar a resolver as contradições estáticas entre capital e trabalho, entre Norte e Sul, entre transnacionais e nações originárias, entre domínio militar e a força da energia comunal.

Não vivemos tempos «normais», senão tempos excepcionais. Temos de abrir os olhos, tomar consciência da crise, ir mais além do normal, entender a importância das tendências dinâmicas no mundo, reconhecer os efeitos graves sobre o equilíbrio da natureza e o provável desmoronamento da sociedade ocidental quando terminar a energia barata e se agravar as mudanças climatéricas. A convergência destas tendências provocará uma mudança que nos cairá em cima com toda a sua força. Está a morrer a velha sociedade e não acaba de nascer uma nova vida. Está madurando a situação revolucionária, em palavras de esquerda.

Mas, para além disso, é Pachamama que nos convoca, ultrajada e paciente. O grande Pachakuti espera-nos, avizinha-se uma mudança cósmica e telúrica, uma mudança de era, um inexorável amanhecer carregado de nova vida, de recuperação de identidade e de força.

Nessa situação, o próprio desmoronamento da sociedade ocidental e as ameaças ao planeta desabilitam a opção de fazer valer uma continuação dos modelos de desenvolvimento capitalista e socialista ou de encontrar caminhos que prometam mais do mesmo.

Isso apresenta-nos a oportunidade que o mundo nos escute e o grande desafio de pôr em cima da mesa de debate os nossos princípios, os nossos códigos, de impulsionar a Cultura da Vida como a única solução que possa salvar a Humanidade e o planeta diante dos efeitos da Crise Global. No meio desta disjuntiva, precisamos de ter a habilidade e a preparação de encontrar os caminhos concretos que nos levem à construção de uma nova vida ou, pelo menos, apenas a um novo equilíbrio de sobrevivência. Necessitamos de ver como cuidar e fortalecer o ressurgimento dos povos originários indígenas para que sejam um guia para a salvação da Humanidade e do planeta.

Por isso, necessitamos de ter em conta estas tendências dinâmicas para assentar as bases, os cimentos da reconstrução da sociedade humana. Sem estes cimentos, sem esta base, todo o demais, tudo o que se fala de combater a exploração, a descriminação e o empobrecimento da maioria da população, luta contra a pobreza e o analfabetismo, a recuperação, nacionalização, industrialização e uso sustentável do gás e outros recursos naturais, produção e consumo de produtos ecológicos, diversificação industrial, promoção das exportações e abertura de novos mercados… baseia-se numa análise fora da realidade e, portanto, não servirá para nada.»


«Vivir Bien como respuesta a la crisis global»
Ministerio de Rels. Exteriores, Bolivia. Disponible en: alainet.org/active/34032&lang=es



1 comentário:

Romeu disse...

temos que mudar o nosso caminho, rumo à uma nova civilização...muito mais humanizada