terça-feira, 8 de abril de 2008

Uma pergunta indiscreta... (I)

Levantou-se, então, um doutor da Lei e perguntou-lhe, para o experimentar: «Mestre, que hei-de fazer para possuir a vida eterna?» Disse-lhe Jesus: «Que está escrito na Lei? Como lês?» O outro respondeu: «Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo.» Disse-lhe Jesus: «Respondeste bem; faz isso e viverás.»Mas ele, querendo justificar a pergunta feita, disse a Jesus: «E quem é o meu próximo?» (Lc 10, 25-29)

Desde logo do início a pergunta já vinha envenenada. Quando o doutor da lei se levantou para falar a Jesus, diz que o fez “para o pôr à prova”… Os doutores da lei eram, no povo no tempo de Jesus, os grandes especialistas das Escrituras judaicas e das leis e mandamentos que regulavam a vida dos israelitas; estavam habituados a dar sentenças, a ter respostas para tudo, raramente faziam perguntas.

Mas Jesus já possuía alguma autoridade… Não por ter muitos estudos, ele que nem sequer era próximo de Jerusalém, tinha nascido no norte, numa pequena aldeia chamada Nazaré… Mas já tinha autoridade: a autoridade de Jesus não vinha de se impor, mas de que, sempre que falava, tocava no mais importante da vida, aquilo que cada pessoa já sentia no seu intimo. Além disso, falava de Deus como de quem o conhecia, e não de quem tinha ouvido falar umas coisas. Por fim, a autoridade de Jesus vinha dos frutos da sua vida e do seu anúncio, da libertação que provocava nas pessoas com quem se encontrava, e de que os Evangelhos nos falam através das curas, milagres e sinais.

Era essa a autoridade de Jesus, e por isso aquele doutor da lei fez-lhe uma pergunta… Mas perdeu logo à partida…
Vinha com uma lógica que era muito própria do seu tempo: as pessoas viviam com Deus na lógica da lei – faço-te isto, dás-me aquilo, cumpro a lei, recebo a salvação, pratico os sacrifícios, obtenho o perdão dos meus pecados. Era uma lógica muito própria de relacionar-se com Deus, própria do tempo de Jesus como própria do nosso tempo também. Peritos nisto eram os fariseus: um grupo de judeus muito zelosos de cumprir as leis e normas, para estarem de bem com Deus.

Por isso pergunta o doutor da lei a Jesus: “o que devo (eu) fazer para possuir a vida eterna?” O doutor da lei não conhecia o Deus de Jesus, o Deus que na Biblia se chama o Deus da Graça: não tinha percebido que o Amor de Deus que nos salva, que nos abraça na sua própria vida que é eterna, é o Deus que não está à espera do que nós fazemos; o Amor de Deus, o Amor do Pai é pura gratuidade, puro dom – muito antes de nós fazermos ou cumprirmos alguma coisa já Deus nos amou, nos perdoou, nos escolheu! Nem tinha percebido que a Vida, o Amor não se possui, apenas se acolhe, se recebe para se partilhar…
Foi esse o erro do doutor da lei, como é às vezes o nosso…

Jesus respondeu-lhe na mesma moeda: o doutor da lei, tão especialista nas leis e escrituras, já conhecia a resposta. “Amarás…” O doutor da lei conhecia tantas leis, normas e preceitos que se tinha esquecido do fundamental: o Amor. A lei judaica já tinha a resposta ao mais importante da nossa vida: o Amor. E no Amor estão sempre unidos, sem se poder dividir, o Amor a Deus e ao Próximo.

Mas às vezes gostamos de complicar o que é simples: foi o que fez o doutor da lei. Ele já conhecia a resposta à muito, mas quis complicar; e pergunta a Jesus quem é o próximo.
O próximo, no Antigo Testamento, era um grupo muito pequeno… Quando para um judeu se dizia o próximo, queria dizer-se o irmão da nossa família ou do nosso povo, aquele com quem estamos de bem. Para a lei, devemos amar, sim, mas apenas os nossos familiares e amigos, aqueles que nos podem retribuir, aqueles que merecem o nosso amor. Mas os outros, os de fora, os que não são próximos, esses não o merecem…
Jesus vai dar as voltas àquele doutor da lei…
um grande abraço

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