quarta-feira, 2 de julho de 2008

as revoluções provocadas por Jesus

Viva! Por aqui o blog tem estado um pouco parado... férias! A todos os que me desejaram sorte para os exames, nestas semanas, um muito obrigado!
Nos próximos dias publicarei uma série de textos de um livro de González Faus, El Rostro Humano de Dios (Sal Terrae, Santander 2007), sobre a mudança de lógicas na relação com Deus provocada pela revelação de Jesus. Fica o primeiro texto: os tres pontos apresentados pelo autor (a imagem de Deus, o culto e a moral) serão os temas dos próximos posts. Um abraço!


«Ainda que não se possa reconstruir totalmente a cronologia dos factos e das fórmulas de fé, parece-me possível estabelecer que nos escassos setenta anos que se seguem à morte de Jesus produzem-se três revoluções, ou três “explosões” impressionantes, únicas no universo religioso da Humanidade. Três revoluções que afectam ao objecto da religião (Deus), ao campo do Culto e ao campo da Moral (as nossas formas de relação com Deus).

Parece-me que, lidas desde uma óptica não necessariamente crente, senão simplesmente neutral e comparativa, tais revoluções não se produziram em nenhum outro momento nem lugar em toda a história da Humanidade. Produzem-se, além disso, com uma velocidade surpreendente: enquanto que o Primeiro Testamento recolhe uma literatura produzida e amadurecida ao longo de dez séculos, o Novo Testamento, como escreve Rafael Aguirre, “é fruto de uma experiência breve, intensa e muito criativa”.

Estas revoluções implicam o fim da moral, o fim do culto e o fim de uma determinada concepção da religião e do acesso a Deus. E são tão sérias que a Humanidade posterior quase não conseguiu mais que considerá-las escandalosas (nessa altura) ou “adocicá-las” diminuindo a sua qualidade (exigência), porque eram tidas por insensatas e inviáveis na nossa realidade (“loucuras ou escândalos” na conhecida terminologia da 1Cor). São, neste sentido, revoluções pendentes e, em certo modo, haverão de o ser sempre.

O fim da moral o elaborou sobretudo o apóstolo Paulo na sua disputa com a lei (= a moral) judaica. E é quiçá a primeira revolução, ou a que está mais longe desde um ponto de vista cronológico.
O fim do culto o formula e sistematiza, sobretudo, a carta aos Hebreus.
A mudança na noção de Deus e do acesso a Ele o elabora a primeira carta de João.

Esta é a ordem cronológica da aparição dessas revoluções em documentos que as explicitam sistematicamente. Mas as três estão presentes já desde os inícios. Por exemplo, toda a Carta aos Hebreus pode ser lida como um desenvolvimento do conselho Paulo de dar a Deus um culto “razoável” e oferecer-lhe um sacrifício “espiritual” (Rm 12, 1). E os escritos joaninos (sobretudo a primeira carta) podem ser vistos como um desenvolvimento sistemático da afirmação Paulina de que quem ama o próximo já cumpriu toda a Lei, porque a plenitude desta é o Amor; e um desenvolvimento também do ensinamento de Hebreus de que a vida entregue de Jesus é o único culto que chega até Deus.

É normal que semelhantes afirmações insólitas precisem de tempo para se captar tudo o que significam: de facto, não basta para isso os poucos anos que transcorrem entre a intuição de Paulo e os desenvolvimentos que apresentam os escritos posteriores. Até há que sublinhar que inclusive para nós, vinte séculos depois, esta tripla revolução continua a ser tão inaudita (quiçá porque é tão inviável) que tampouco os cristãos nos damos conta de tudo o que implica. Como escreve Sandra Schneider, “vinte séculos de exegese e teologia não conseguiram elucidar completamente a experiência inaugural”.

Mas precisamente essa inviabilidade surpreendente foi a que levou os cristãos a dizer: “conhecemos verdadeiramente a Deus! Foi-nos manifestada e nós tocamos à Palavra da Vida” (cf. 1Jo 1, 1ss). Se noutro tempo Deus se deixou ver de maneira fragmentária e múltipla, agora o fez de maneira definitiva e plena para a nossa condição presente, inaugurando assim o que os primeiros cristãos chamavam com tanta frequência “o fim dos tempos” ou “os tempos últimos” (Heb 1, 1ss). Isto é o que teve lugar com a vida, morte e ressurreição de Jesus. E, portanto, as três revoluções a que vimos aludindo são outras tantas explosões derivadas, que seguem a primeira “grande explosão” (ou big bang religioso) que teve lugar em Jesus.

Ora bem, se conhecemos a Deus de maneira tão nova e decisiva, era muito claro para os nossos pais na fé que a Deus só pode conhecer-se assim se Ele decide comunicar-se tal como é, e não simplesmente através do esforço da nossa razão ou religiosidade humana. Deus só pode ser conhecido de imediato por algum meio divino, nalguma Palavra divina. E se é certo que Deus se manifestou em Jesus, isso implica a divindade de Jesus (seja qual for o modo de formalizá-la e explicá-la segundo as diversas civilizações e culturas). » (p. 39ss)


José Ignazio González Faus é padre jesuita, espanhol, professor de Cristologia e Antrolopologia Teológica em Barcelona e El Salvador. Publicou diversos livros procurando as verdadeiras raizes do cristianismo, no Jesus histórico e na experiencia da Igreja Primitiva partilhada pelo Novo Testamento.



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