sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Igreja e Renovação (Haring) III: a Vocação de Seguimento

E pronto! Com este somam-se os três textos deste livro de Bernard Haring (uma triologia, como o Matrix! Desculpem o português às vezes mais "estranho" não sou especialista de tradução do inglês.) Mais lá para a frente partilharei a história deste redentorista e, sobretudo, a sua experiencia de liberdade no seio da Igreja. Para a semana, voltamos à nossa caminhada de Antropologia: de que maneira Jesus de Nazaré olhava para cada pessoa com quem se encontrava?

A questão sobre o futuro das vocações sacerdotais pode ser extremamente dolorosa se a discussão se centra totalmente à volta da morte dos padres, sem dar uma atenção crítica aos sinais dos tempos e à fundamental vocação de todos os cristãos. Tal perspectiva é demasiado estreita, até perigosa para a missão da Igreja. Assim, insisto que nos devemos debruçar sobre vocação que abraça a todos os cristãos, especialmente à luz do baptismo de Jesus no Jordão por João.

A vocação de Cristo para a qual estamos chamados, primeiro e sobretudo, é a vocação do Servo não-violento de Javé para a Salvação e a Paz do mundo. Os anúncios na vida publica de Jesus da sua paixão, morte e Ressurreição são estabelecidos pela sua relação e chamamento pelo Pai: “Tu és o meu Filho muito amado” (Mc 1,11). Jesus é chamado e enviado a partilhar as aflições da natureza humana numa salvação solidária, afim de libertar a Humanidade da destrutiva solidariedade do pecado. Ele é o Profeta que vai à nossa frente, mostrando o caminho da paz, não-violencia e o poder desse Amor que procura transformar os inimigos em amigos.

Imediatamente depois do baptismo, o Evangelho de Mateus oferece-nos uma das principais chaves para compreender o drama da Salvação. Fá-lo desmascarando as principais tentações satânicas, iluminando as falsas expectativas de um poderoso e violento Messias, e expondo os abusos da religião no proveito terreno, poder, e auto-exaltação. Enquanto que as tentações rodearam Jesus por todos os lados, elas não tiveram absolutamente nenhum poder sobre ele. É por nós que Jesus as desmascarou, de uma vez por todas, através da absoluta certeza na sua chamada como o Servo-Filho de Deus sofredor e não-violento.

Esta compreensão é uma maneira de aproximar-nos à nossa vocação cristã à luz da vocação de Jesus. Assim, será evidente que o futuro de todas as vocações cristãs depende de como fiéis seremos no seguimento dos passos do Servo de Javé neste novo contexto. Da época de Constantino até ao presente, a maioria das pessoas era cristã por nascimento. Agora o novo paradigma cada vez nos empurra mais para sermos e tornarmo-nos cristãos por escolha, por vocação. Isto implica que o futuro da Igreja será marcado não só pelas “vocações” particulares, mas especialmente por essas que conscientemente e convincentemente vivem a lei do baptismo de Jesus no Jordão em Espírito e no sangue. Por outro lado, para esses particulares “católicos por nascimento” que são mais ou menos seguidores passivos é muito mais relevante a diferença entre o sacerdócio ministerial e universal. O que realmente caracteriza os cristãos é a profundidade da sua compreensão do que significa ser chamado em e por Cristo para servir a causa do Reino do Servo de Javé, e a sua firmeza em abraçar a vocação da compaixão universal.

De maneira nenhuma deixo de acreditar na vocação ministerial, tendo havido tantas razões para eu ser agradecido por ela; mas pretendo afirmar que o futuro da Igreja e das vocações sacerdotais depende de uma radical mudança do paradigma constantiniano para esse de uma opção livre pela vocação cristã – uma que evite, a todo o custo, qualquer pretensão de superioridade. Tal mudança terá, por necessidade, um novo olhar sobre a vocação do sacerdócio ministerial. Haverá um número suficiente de vocações ministeriais se a atenção principal sobre a vocação estiver num sentido mais especificamente cristão, e sempre na visão da Salvação do mundo.

Renovando a doutrina do sacerdócio universal dos fiéis, e explicitamente confiando uma diversidade de actividades da Igreja Apostólica aos leigos, homens e mulheres, o Concilio Vaticano II fez uma contribuição muito relevante e oportuna para a questão das vocações. Por todo o globo, apesar dos diversos graus e modalidades, um “clero” não clerical emergiu.

Com grande alegria e confiança no futuro da Igreja, eu observei este desenvolvimento, especialmente em África. Milhares de catequistas bem-preparados com as suas admiravelmente generosas esposas fazem praticamente todo o trabalho paroquial, o que inclui catequese, formação religiosa dos adultos, construtores de paz e de obras comunitárias, cuidado pelos doentes e pobres, solenes e alegres celebrações do baptismo, e em cada domingo, eles celebram a liturgia da Palavra e presidem ao serviço da Comunhão, para nomear apenas algumas actividades.

Nunca em toda a história da Igreja houve um número tão grande de homens e mulheres preparadas e altamente qualificadas em teologia. Actualmente, a Igreja tem mais pessoas preparadas do que teve em todos os anteriores dezoito séculos juntos. Porque, então, temos de lamentar a falta de vocações cristãs na Igreja?

Juntamente com o Papa actual, durante muito tempo rezamos pelas vocações sacerdotais celibatárias. Muitos desistiram desta procura na ausência de respostas às suas razoáveis questões: Porque temos de dizer ao Espírito Santo que os presbíteros nos devem ser dados apenas através da porta do celibato? Por acaso achamos que o Espírito Santo está contente quando nós, os homens da Igreja, determinamos o tamanho e orientação da bússola pelo qual o Espírito é suposto atrair as desejadas e muito-precisas vocações? Há alguma coisa mais idolátrica do que impor a vontade humana sobre o Espírito Santo ou encaixar o Espírito nas nossas estreitas categorias de pensamento?

Se os Apóstolos e os seus primeiros sucessores tivessem actuado do mesmo modo impondo esse tipo de prescrições no Espírito Santo, eles teriam de deixar as suas esposas e, o que é ainda mais importante, eles teriam de deixar as jovens comunidades cristãs sem a Eucaristia.

Eu repito: o Celibato, como um carisma do Espírito livremente distribuído, é um nobre e gracioso dom, mas as autoridades cristãs terão de fazer uma escolha bem-pensada e consciente entre a mais plena fidelidade ao testamento e mandato de Jesus – “Tomai e comei, e bebei da taça, todos vós” – e uma mera tradição humana. Devemos estar cientes que os homens da Igreja podem ser vitimas, não só dos perigos da heresia verbal, mas também dos perigos da “hetero-praxis”. Durante o período da Inquisição, a Igreja alinhou em horríveis práticas de tortura e morte na fogueira de mulheres inocentes tomadas como bruxas. Denunciar estas práticas graves sem olhar cuidadosamente para o presente é nada mais do que pretender encobri-lo.

O celibato, que é um precioso carisma e testemunho do Reino de Deus, não possui o seu valor nos números, mas antes em ser vivido com autenticidade. Nem o celibato é primeiramente entendido segundo a perspectiva da lei. Pelo contrário, mais do que qualquer outra coisa, é a proclamação das palavras de Paulo: “Não estamos mais sob a lei, mas sob a Graça” (Rom 6, 14)
Bernard Haring cssr: Priesthood Imperiled

E aproveito este momento para anunciar à Blogosfera Civil (isto é mesmo importante!) o surgimento de mais uma voz de anuncio do Evangelho de Jesus e de partilha de uma vida no Espírito. É o blog do meu companheiro Gustavo, e até faz sentido que surja no fim destes textos sobre a renovação da Igreja. Afinal, continuam a ser precisas vozes proféticas...
Um grande abraço!

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