quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Lc 10,38-42: Marta e Maria


Com dedicatória.
Escolheste a melhor parte, que não te será tirada.

Continuando o seu caminho, Jesus entrou numa aldeia. E uma mulher, de nome Marta, recebeu-o em sua casa. Tinha ela uma irmã, chamada Maria, a qual, sentada aos pés do Senhor, escutava a sua palavra. Marta, porém, andava atarefada com muitos serviços; e, aproximando-se, disse: «Senhor, não te preocupa que a minha irmã me deixe sozinha a servir? Diz-lhe, pois, que me venha ajudar.» O Senhor respondeu-lhe: «Marta, Marta, andas inquieta e perturbada com muitas coisas; mas uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada.» (Lc 10,38-42)

Um texto importante, lido à luz de todo o Evangelho de Lucas; surge no chamado “Caminho para Jerusalém”, uma decisão fulcral na missão de Jesus (Lc 9,51) que se assemelhará, em Lucas, a um cortejo de um rei a entrar na sua capital, com mensageiros a irem à frente a preparar o caminho (Lc 9,52). Aqui surge a missão dos 72 discípulos (Lc 10,1), a recordar os 70 anciãos que ajudavam Moisés a conduzir o Povo e que recebem também o Espírito de Deus (Num 11,16).

É o Caminho dos simples que levam Jesus a «estremecer de alegria sob a acção do Espírito Santo (Lc 10,21), é o Caminho do Samaritano que se faz próximo e também o Caminho de todos os feridos e desprezados. É o Caminho dos que se descobrem filhos e por isso dizem, privilégio tão grande, Pai-Nosso a um Abbá «que dará o Espírito Santo a aqueles que lhe pedem» (Lc 11,13). Esse Caminho é Jesus (Jo 14,6), tornam-se os próprios discípulos, a Igreja (Act 9,2), Caminho no qual Paulo descobre o seu Senhor.

É neste Caminho que surge a Casa, onde «os crentes partiam o pão, em suas casas» (Act 2,46), na qual Jesus é recebido, o Senhor (Kyriôu), já o Ressuscitado, o Senhor dos Discípulos e da História, de quem, sentada aos pés, Maria escuta a Palavra (Lc 10,39).

Tradicionalmente faz-se uma leitura redutora do texto: nele se projectam dois hipotéticos papéis da mulher como discípula de Jesus, seja em serviços secundárias, seja a ouvir passivamente, sempre de modo subordinado como que a uma autoridade masculina e patriarcal. Ou então, como a contraposição entre dois caminhos de vida em Igreja, um activo e outro passivo/contemplativo, do qual este seria o preferido do Senhor. Não podemos ser apressados a julgar as palavras de Lucas.

Em primeiro lugar, Marta: o seu serviço é designado pelo termo Diakonia por duas vezes, no v.40. Diakonia é um termo muito importante na obra de Lucas: basta, sem grande esforço, recordarmo-nos das 7 figuras do livro dos Actos dos Apóstolos designados de Diáconos que, se inicialmente estavam designados para assegurar a partilha dos bens pelas viúvas helenistas (Act 6,1), tornam-se, segundo Lucas, os responsáveis pela evangelização e expansão da Igreja para fora de Jerusalém (Estêvão e Filipe). Certamente não é em serviços secundários e inferiores que pensamos quando ouvimos Jesus dizer: «Eu estou no meio de vós como aquele que serve (diakonôn)» (Lc 22,27).

Portanto, vemos em Marta uma das dimensões que constituem a Igreja, Casa que recebe o Senhor, a Diaconia ou Serviço. É um dos pilares que, para Lucas, forma a natureza da Igreja: quase a recordar o papel da Mãe de Jesus que, como em sua casa, dá ordens aos servos para que obedeçam a Jesus, em Canã (Jo 2,5).

Por outro lado vemos a irmã Maria (comunidade de irmãs e irmãos) que escuta, aos pés do Senhor, a sua Palavra. Ícone magnífico de discipulado, a par da Diaconia de Marta. Escuta da Palavra, uma atitude passiva, sim, mas no seu sentido bíblico: na Bíblia é a passividade que transforma, não a actividade como estamos habituados a pensar. A passividade dos Profetas, a quem a Palavra acontece nas suas vidas de modo totalmente inesperado, que os leva a ser mediação de revelação; Palavra que reúne a Igreja.

Portanto, em vez de papéis secundários e concorrentes, Lucas apresenta a Igreja enquanto Comunidade do Senhor, Comunidade de Diaconia e Palavra, na imagem de duas mulheres. Igreja, Esposa de Cristo (Ef 5,25) de quem Paulo tem ciúmes (2Cor 11,2) como Israel o era de Javé no Antigo Testamento. A repreensão de Jesus a Marta não é pela sua Diaconia, mas pela sua inquietação que a leva a querer dar ordens ao seu Senhor, como Pedro o tentou fazer também repreendendo a Jesus à parte sobre a sua missão messiânica (Mc 8,32).

Comunidade de irmãs e irmãos, comunidade que recebe o Senhor em sua Casa tornando-se Templo (1Cor 3,16), comunidade de irmãs e irmãos que vai descobrindo, nas experiencias de morte, a força de Vida do Senhor que também é capaz de chorar por Lázaro (Jo 11,35). Comunidade de Palavra e de Diaconia, unidas pelos vínculos de irmãos, cujo único Senhor é o Ressuscitado. Igreja que se torna a Casa de todos aqueles que, após o Senhor, o seguem no Caminho, no Caminho para Jerusalém, e o anunciam dois a dois nas cidades e aldeias.

um grande abraço!

2 comentários:

Anawîm disse...

Que excelente partilha, Rui Pedro...!

É nesta Comunidade de Palavra e Diaconia que também eu acredito

Um abraço

Anónimo disse...

Depois destes tempos tão fortes, hoje, senti necessidade de vir rezar aqui neste cantinho desta sala antes de ir dormir. De procurar este post. Fez tanto sentido, o que tão bem aqui cantas. Obrigada. Muito. Mesmo muito.

Abraço-te...