quarta-feira, 11 de março de 2009

Amor Extremo. Entrega. com a Autoridade do Pai

«1Antes da festa da Páscoa, Jesus, sabendo bem que tinha chegado a sua hora da passagem deste mundo para o Pai, Ele, que amara os seus que estavam no mundo, levou o seu amor por eles até ao extremo. 2O diabo já tinha metido no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, a decisão de o entregar.

3Enquanto celebravam a ceia, Jesus, sabendo perfeitamente que o Pai tudo lhe pusera nas mãos, e que saíra de Deus e para Deus voltava, 4levantou-se da mesa, tirou o manto, tomou uma toalha e atou-a à cintura. 5Depois deitou água na bacia e começou a lavar os pés aos discípulos e a enxugá-los com a toalha que atara à cintura.

6Chegou, pois, a Simão Pedro. Este disse-lhe: «Senhor, Tu é que me lavas os pés?» 7Jesus respondeu-lhe: «O que Eu estou a fazer tu não o entendes por agora, mas hás-de compreendê-lo depois.» 8Disse-lhe Pedro: «Não! Tu nunca me hás-de lavar os pés!» Replicou-lhe Jesus: «Se Eu não te lavar, nada terás a haver comigo.» 9Disse-lhe, então, Simão Pedro: «Ó Senhor! Não só os pés, mas também as mãos e a cabeça!» 10Respondeu-lhe Jesus: «Quem tomou banho não precisa de lavar senão os pés, pois está todo limpo. E vós estais limpos, mas não todos.» 11Ele bem sabia quem o ia entregar; por isso é que lhe disse: ‘Nem todos estais limpos’.

12Depois de lhes ter lavado os pés e de ter posto o manto, voltou a sentar-se à mesa e disse-lhes: 13«Compreendeis o que vos fiz? Vós chamais-me ‘Mestre’ e ‘Senhor’, e dizeis bem, porque o sou. 14Ora, se Eu, o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. 15Na verdade, dei-vos exemplo para que, assim como Eu fiz, vós façais também. 16Em verdade, em verdade vos digo, não é o servo mais do que o seu Senhor, nem o enviado mais do que aquele que o envia. 17Uma vez que sabeis isto, sereis felizes se o puserdes em prática.»

(João 13,1-17)

Não é possível apreciarmos um bom quadro ou peça de arte sem termos as referências em nós: sem estarmos dentro da linguagem própria. Como é possível contemplarmos este Quadro que João nos oferece (bem melhor que qualquer um de Da Vinci!) sem termos já escutado constantemente algumas “teclas” que os Evangelhos nos oferecem? “Teclas” que bem ecoavam e eram repetidas nas Comunidades dos Discípulos no Novo Testamento.

«Quem quiser ser grande entre vós, faça-se vosso servo e quem quiser ser o primeiro entre vós, faça-se o servo de todos. Pois também o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por todos», proclama Marcos, quase como a Linha-Mestra que percorre o seu Evangelho (Mc 10,43-45). De facto, entramos no Evangelho de Marcos e vemos uma catequese constante, do princípio ao fim, de Jesus a mostrar aos seus discípulos que a sua missão messiânica é a do serviço, da entrega, não a da glória ao jeito dos homens – é o messianismo da Cruz. Os primeiros discípulos, as comunidades olham para a Cruz e vêm a “loucura” como diz Paulo (1Cor 1,18) – o Ungido de Deus, Eleito para inaugurar para toda a Humanidade a Salvação que vem de Deus, não morre num trono de rei, mas como um condenado romano… A lógica de Deus é outra…

Ou então, como não recordar o extremo da linguagem de Jesus em Lucas: «Felizes aqueles servos a quem o senhor, quando vier, encontrar vigilantes! Em verdade vos digo: Vai cingir-se, mandará que se ponham à mesa e há-de servi-los» (Lc 12,37). O Senhor a servir… aos servos. E se não os serve, manda que os sirva: «Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha; dai-lhe um anel para o dedo e sandálias para os pés. Trazei o vitelo gordo e matai-o; vamos fazer um banquete e alegrar-nos» (Lc 15,22), mesmo quando se trata do filho que regressa a casa… A lógica de Deus é mesmo outra, quando observamos espantados este quadro que é Jesus de Nazaré…

João celebra e proclama este Serviço, esta Entrega que é uma Entrega de Salvação. Já não estamos a observar o quadro, senão que somos convidados a entrar nele. Como discípulos. Não, não para dizer que temos de servir – isso vem depois. Primeiro, os nossos pés são lavados, ou seja, somos tratados como senhores, proprietários… como reis. Agora já não é Abraão a servir os três viajantes que lhe dão a notícia da gravidez de Sara: «Meu Senhor, se mereci o teu favor, peço-te que não passes adiante, sem parar em casa do teu servo. Permite que se traga um pouco de água para vos lavar os pés; e descansai debaixo desta árvore» (Gen 18,3). É o Filho. A lavar-nos os pés. A servir-nos. A salvar-nos.

João dá um ênfase solene a este quadro, que o carrega da sua importância: falamos da Páscoa, que é a Hora de Jesus, a sua Passagem para o Pai; a plenitude da sua Missão junto dos Discípulos e da Humanidade. O evangelista não deixa de sublinhar que este gesto tem a autoridade e a confirmação do próprio Pai: é Deus quem o faz. Por Amor. Amor Extremo. Salvação. História de Salvação, de Graça. Como o cantará a 1Carta de João:

«Deus é amor. E o amor de Deus manifestou-se desta forma no meio de nós: Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigénito, para que, por Ele, tenhamos a vida. É nisto que está o amor: não fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele mesmo que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados. Caríssimos, se Deus nos amou assim, também nós devemos amar-nos uns aos outros» (1Jo 4,9-11).

Estamos na Páscoa. É assim que João lê a vida e entrega de Jesus, é este o seu testamento: em vez da Ultima Ceia, João coloca este quadro. Como a síntese de toda a vida e missão de Jesus: um tirar um manto para lavar os pés (supõe-se: um debruçar, um aproximar) para em seguida levantar-se e voltar a pôr o manto. E nós com ele, já lavados. Sempre a mesma lógica. Como não recordar outro ponto de Lucas, outro quadro sobre o mandamento do Amor: «Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, encheu-se de compaixão. Aproximou-se, ligou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho, colocou-o sobre a sua própria montada, levou-o para uma estalagem e cuidou dele» (Lc 10,33-34).

E o próprio João o aponta logo a seguir: «Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros; que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei. Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros» (Jo 13,34-35). De novo o Amor. De que o assim chamado “Lava-Pés” é um quadro que João nos apresenta, que vale mil palavras. O Amor, que é uma História, um Projecto: de Deus, preparado por Deus, construído por Deus. Para nós. Por nós. A Humanidade. Pelo Filho, pela sua vida, pela sua missão.

E aqui estamos nós, e aqui entramos nós. Nesta História de Amor. Nesta Comunhão de Vida, que o Mestre e Senhor constrói connosco. O Serviço, como conversão de vida nova, não acontece por um mandato moral; acontece por uma experiencia de radical novidade e surpresa: amas-me; porquê? Amados. Abraçados. Privilegiados. Como autênticos senhores; a quem são lavados os pés. Pelo Senhor da Vida…

Por Ti…
Uma História preparada, escrita… de Salvação, de Graça… pelo Pai…
Para mim.

1 comentário:

Anónimo disse...

Essa tua preferência pelo evangelho dea São João denota que intuíste de modo muito profundo a grandeza do amor de Deus.
Obriga por no-lo comunicares!
Calmeiro Matias