segunda-feira, 21 de março de 2011

Uma Leitura Pessoal da Crise (II)


Um indicador para mim das causas mais abrangentes para a situação de "crise" encontrei-o quando me dirigi um dia a um Centro de Emprego. Para me atender à entrada do centro encontrei um funcionário, jovem, que estava a desempenhar o que seriam as funções de administrativo: atendia os telefonemas, distribuía o correio pelos vários departamentos, recebia as pessoas e encaminhava-as para os serviços respectivos, etc.

O que acontece é que esta função de administrativo, função indispensável para um centro de emprego que recebe tanta gente, não era desempenhada por um funcionário do centro, mas por um segurança de uma companhia privada, contratada no chamado fenómeno de Outsourcing (de "out" fora, e "sourcing" fonte). Um fenómeno também conhecido por sub-contratação.

Portanto, eu entro na instituição pública que se declara a si mesma como "o serviço público de emprego nacional com a missão promover a criação e a qualidade do emprego e combater o desemprego, através da execução das políticas activas de emprego e formação profissional." E encontro, logo à entrada, a situação de um serviço que, em vez de ser desempenhado por uma pessoa qualificada e pertencente à instituição, é desempenhado... por uma pessoa de uma empresa privada de segurança.

Declara Alain Euzéby no número de Março do Courrier Internacional:

«Nos países mais desenvolvidos, enunciaram-se mesmo verdadeiros absurdos económicos. Quando o simples bom-senso deveria levar a considerar que é necessário criar empregos para produzir, muitos economistas e responsáveis politicos invertem esta evidência afirmando sabiamente que é necessário produzir, e por conseguinte favorecer o crescimento económico, para criar empregos - não porque faltem automóveis, hambúrgueres ou prospectos publicitários nas caixas do correio.

Nos países onde os niveis de produção são já muito elevados e mais que suficientes, as margens de progressão são relativamente fracas. A exportação e a conquista de mercados estrangeiros tornaram-se, por conseguinte, imperativos essenciais e se há pobreza não é devido a uma insuficiência de produção, mas devido ao desemprego. O qual, apesar das medidas tomadas há mais de 40 anos para o reduzir, se mantém um problema endémico (...)

Graças ao progresso técnico, grandes faixas da produção excede largamente as necessidades da sua população. Ora, graças ao progresso técnico, grandes faixas da produção são cada vez mais mecanizadas, automatizadas, informatizadas ou robotizadas, podendo, por conseguinte, produzir-se cada vez mais com cada vez menos investimento em trabalho. Em nome do emprego, os poderes públicos desses países procuram compensar o aumento da produtividade com aumentos de produção, independentemente dos custos ambientais e ecológicos, em vez de reduzirem a duração de trabalho.

É verdade que, com o comércio livre e a concorrência internacional, é particularmente dificíl reduzir a duração do trabalho sem a acompanhar de uma diminuição equivalente dos seus custos (salários e despesas sociais)... excepto se se conseguir um acordo internacional sobre soluções colectivas, evitando assim que os países que caminhem neste sentido isoladamente ponham em perigo a competitividade da sua economia (...)

Os países que têm progredido nos planos técnico e económico ainda não chegaram a avaliar realmente as consequências do ponto de vista da organização e da duração do trabalho. Teimam nas fugas para a frente considerando o crescimento económico como um meio privilegiado de luta contra o desemprego. Ora esta orientação é não só pouco eficaz, mas sobretudo extremamente perigosa. Quantos desastres climáticos serão necessários, quantos kms quadrados de superfície terrestre deverão ser absorvidos pela subida do nível dos mares, para que os dirigentes do planeta se debrucem finalmente sobre este assunto primordial, de forma séria e em conjunto?»

Se as sociedades ocidentais estão em crise, ou doentes, o desemprego é o seu cancro. Quando grandes empresas e bem-estabelecidas, sem riscos de falencia, ocupam para funções que são necessárias permanentemente (desde carteiros dos CTT, atendedores de informações da PT, revisores do Metro), pessoas por 6 meses ou 2 anos, substituindo-as depois, e o Estado não só permite como apoia, concedendo apoios nos impostos a estas empresas para contratarem pessoas novas e substituindo-as na sua função social através do subsidio de desemprego, algo não estará mal?

E quando as palavras competitividade, produtividade, concorrência, flexibilidade ocupam o lugar de palavras-chave a palavras como colaboração, cooperação, estabilidade, segurança... algo não estará mal?

E estando os indíces de desemprego em aumento constante, pede-se cada vez mais às pessoas empregadas que trabalhem mais horas, mais anos, com ritmos mais instáveis, e sem perspectivas de futuro... algo não estará mal?


Um grande abraço!

1 comentário:

Anónimo disse...

Olá Rui Pedro,
Espero que esteja tudo bem contigo.
Já não me lembro de passar pelo teu blog, mas hoje gostei muito de ler os teus dois últimos textos.
Há cerca de 20 anos, quando se começava a tornar evidente o impacto da infiltração das TI's na cadeia de valor, alguns futuristas diziam que iríamos passar a trabalhar menos horas. Hoje, percebemos que isso não foi verdade...
Esta é uma questão vasta e muito complexa, que não encontra resposta no interior do modelo politico e económico dominante.
A solução tem de emergir de fora, como resposta concreta a necessidades concretas de pessoas.
Talvez aí possamos perceber que o capitalismo selvagem, com toda a sua perversidade e irracionalidade, é um efeito do individualismo selvagem (que não é um individualismo dos outros, é o meu!). Um grande abraço, Luís Campos