quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Cuidado Desinteressado



O seguinte texto merece uma pequena explicação:
Logo após o Concílio Vaticano II, realizaram-se na América Latina uma série de encontros de bispos, presbíteros e lideres de comunidades daquele Continente para em primeiro lugar analisarem qual a realidade vivida pelos cristãos e pelas populações em geral em todos os seus aspectos positivos e negativos, para em seguida discernirem quais os caminhos de aplicação das novidades lançadas pelo Concílios. Estes encontros realizaram-se em Medellin, Colómbia, em 1968, e em Puebla, México, em 1979, e foram fundamentais para o então grande profetismo que o cristianismo viveu naquele continente nas décadas de 60, 70 e 80, no meio de revoluções sociais, ditaduras militares e pressões politicas e económicas por parte dos dois blocos da Guerra Fria.

Bom. É que, num momento comunitário de oração em que tive a sorte de estar presente, foi lido um excerto do documento final do encontro de Puebla, numa parte dedicada aos jovens e à relação da Igreja com estes. Achei muito interessante esta passagem:

« A Igreja vê na juventude uma enorme força renovadora, símbolo da mesma Igreja. E isto por vocação e não por táctica, já que ela própria está chamada a uma constante renovação de si mesma, ou seja, a um incessante rejuvenescimento. O cuidado desinteressado que a Igreja deve ter pela juventude mudará a vida da própria Igreja e ajudá-la-á a pôr de lado qualquer atitude de desconfiança ou de menosprezo para com os jovens».

Chamou-me pessoalmente à atenção por dois aspectos: primeiro pela expressão «cuidado desinteressado»: sem interesse, portanto, ou pelo menos sem interesse próprio, ou pelo menos em que o interesse esteja centrado nos jovens. Exclui, portanto, uma «utilização» deste cuidado. E aqui encontro-me eu inserido, no que me dediquei estes (poucos) anos com pessoas mais novas do que eu: foi nesta linha? E a nivel eclesial, não terão tido mais visibilidade os números, actividades, multidões e publicidades a este nivel de pastoral juvenil?

Neste cuidado desinteressado não estaria antes uma apresentação, crente claro, um testemunho da figura de Jesus, da sua vida e mensagem, e das possibilidades de esperança, de força e de humanização que delas brotam, sobretudo num contexto tão dificil que todos estamos a viver, e de modo particular os jovens, desde os adolescentes a quem um dos pais, ou os dois, sofrem o desemprego, passando os universitários que vivem os cursos e a integração no "mercado" de trabalho em lógicas brutais de concorrência, até ao pessoal para quem é mais dificil viver algum projecto estável a nivel pessoal e familiar?

(E porque será, vim a saber, que dos 9 módulos que compõem o programa de EMRC do secundário, nenhum seja dedicado, pura e simplesmente, à tal apresentação e descoberta da figura histórica da pessoa de Jesus de Nazaré?)

E o outro aspecto: os bispos latino-americanos realçam que desde encontro entre os jovens e a Igreja, quem muda é... a Igreja. Muda a sua atitude, dá-se a sua renovação, porque essa juventude é até um simbolo da Igreja. Humildade, uma grande humildade é o que eu encontro aqui. Uma humildade que não exclui a missão e o testemunho, mas que até o tornam fecundos. Mas toda a pastoral juvenil não irá, quase toda, no sentido da mudança dos jovens? E os jovens, são parte dessa Pastoral, símbolo dessa Igreja, ou «clientes» ou «publico-alvo» a quem se realiza actividades... para os mudar, ou, em linguagem religiosa, «converter»?

Certamente haveria coisas mais importantes e até evangélicas em que poderia partilhar, mas que se há-de fazer? Surgem-me parágrafos assim de vez em quando... :)

Um grande abraço! 

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